Por Francisco faus
O coração da nossa Mãe
Uma das mais doces verdades da
nossa fé é o mistério da Assunção de Nossa Senhora em corpo e alma aos céus. A
cheia de graça, a que nunca pecou, não podia ficar sujeita à corrupção da
morte, estabelecida por Deus como castigo do pecado. Por isso, a Igreja definiu
solenemente – expressando uma verdade que, desde tempos antiqüíssimos, era
patrimônio da fé do povo cristão – que “a Imaculada Mãe de Deus, sempre Virgem
Maria, completado o curso da sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à
glória do Céu” (Pio XII, Const. Ap. Munificentissimus Deus, de 01.11.1950).
Eis a consoladora verdade: a
nossa Mãe Santa Maria, na glória do Céu, está agora junto da Trindade
Santíssima em corpo e alma. Compreendemos bem o que isto significa? Quer dizer
que Maria vive no Céu a cuidar de nós, a olhar-nos, a interceder por nós, com o
mesmo coração, com os mesmos sentimentos e com os mesmos afetos que tinha na
terra. Não é um puro espírito. É uma Mãe humana, glorificada, mas plenamente
humana. Agora, junto de Deus, Ela contempla – na luz da glória divina – todos e
cada um dos seus filhos, em todos e cada um dos momentos da sua existência, e
olha por eles: nas horas de alegria e de dor, nos transes difíceis, nos tempos
de solidão, na suas quedas e nos seus reerguimentos… Não há um passo da nossa
vida, não há um latejar do nosso coração, que não esteja sendo acompanhado
amorosamente pelo Coração humano da nossa Mãe. E não há um passo que não esteja
sendo assumido – visto e sentido como algo próprio – por esse Coração.
Contemplando este mistério
delicado, São Josemaria Escrivá aponta-nos uma das suas conseqüências: “Surge
assim em nós, de forma espontânea e natural, o desejo de procurarmos a
intimidade com a Mãe de Deus, que é também a nossa Mãe; de convivermos com Ela
como se convive com uma pessoa viva, já que sobre Ela não triunfou a morte,
antes está em corpo e alma junto de Deus Pai, junto de seu Filho, junto do
Espírito Santo” (É Cristo que passa, n. 142). É nesse clima de intimidade
filial que discorre a devoção a Nossa Senhora.
A Devoção a Maria Santíssima
O nosso relacionamento, a nossa
intimidade com Maria é essencialmente filial. O vínculo filiação-maternidade
“determina sempre – como lembra a Encíclica Redemptoris Mater – uma relação
única e irrepetível entre duas pessoas: da mãe com o filho e do filho com a
mãe” (João Paulo II, Encíclica Redemptoris Mater, n. 45). E a medula desse
vínculo, evidentemente, é o amor.
Por isso, só perguntando-nos
pelas características que tornam autêntico esse amor é que descobriremos os traços
da verdadeira devoção a Maria Santíssima. Com isso, perceberemos também melhor
o que Deus quis que representasse para nós o imenso dom que nos fez, dando-nos
Maria como Mãe.
Comecemos pelos aspectos dessa
devoção que se nos impõem de maneira mais imediata. Um cristão que vive de fé
sabe que Maria o ama e o auxilia com carinho de Mãe. Sabe-a voltada
maternalmente para ele. É natural que, dessa certeza, flua espontaneamente uma
sincera afeição filial. “Nada convida tanto ao amor – comenta São Tomás – como
a consciência de sentir-se amado”(Cf. São Tomás de Aquino, Summa contra gentes,
IV, XXIII). A devoção mariana manifesta-se, por isso, em mil expressões,
delicadas e fervorosas, de carinho de filho: no tom afetuoso da oração que
dirigimos a Ela, na alegria de visitá-la nos lugares onde se quis fazer
especialmente presente, nos muitos pormenores íntimos do coração, que o pudor
vedaria externar.
Juntamente com esse afeto filial,
e impregnando-o intimamente, brota também espontaneamente um sentimento de
profunda confiança. “Nunca se ouviu dizer – reza uma bela oração atribuída a
São Bernardo – que algum daqueles que tivesse recorrido à vossa proteção,
implorado a vossa assistência, reclamado o vosso socorro, fosse por Vós
desamparado”.
Esta certeira confiança dos fiéis
exprimiu-se num leque multicolorido de invocações marianas, que traduzem a
segura experiência do coração cristão: Mãe de misericórdia, Virgem poderosa,
Auxílio dos cristãos, Consoladora dos aflitos, Onipotência suplicante… Era essa
a confiança que fazia Dante escrever estes preciosos versos: Donna, se’ tanto
grande e tanto vali, / che qual vuol grazia e a te non ricorre, / sua disianza
vuol volar sanz’ali; “Senhora, és tão grande e tanto podes, que para quem quer
graça e a ti não recorre, o seu desejo quer voar sem asas” (Divina Comédia,
Par. XXXIII, 13-15).
Amor e confiança. Trata-se de
sentimentos com fortes raízes no coração. Ora é bem sabido que os afetos do
coração possuem muitas vezes uma sutil ambivalência: são sentimentos que a
custo se equilibram na difícil passarela onde o amor beira sempre o egoísmo.
Não é raro que os muito sentimentais sejam também muito egoístas.
Por isso, se a devoção a Maria
não estivesse fundamentada nos alicerces da fé – da doutrina – e da caridade,
poderia deslizar imperceptivelmente para os declives do egoísmo. Tal coisa
aconteceria no caso de uma devoção meramente sentimental – não animada por
desejos de entrega e de amor operante – que, embora cheia de efusões de
ternura, não incidisse fortemente na vida para modificá-la. Mais facilmente
ainda se daria essa deturpação se a devoção mariana se reduzisse a um simples
recurso para alcançar uma “proteção” ou uns “favores” meramente interesseiros.
Esses desvios, contudo, não se
darão se o nosso amor filial a Maria entrar, como deve, em sintonia com o seu
amor maternal.
Pensemos que o coração da nossa
Mãe, “cheia de graça”, é uma fornalha ardente de caridade, de amor a Deus e aos
homens. Nele se encontra, em medida quase infinita, a caridade derramada pelo
Espírito Santo (Cf. Rom 5, 5).
Isto significa que quem se
aproximar dEla com um coração reto e sincero se sentirá necessariamente
impelido para o amor a Deus e ao próximo. Este é o segredo divino da devoção a
Maria. Foi de fato para nos facilitar a entrega a esse duplo amor – o
mandamento que resume todos os outros – que Deus, em sua misericórdia, quis
dar-nos Maria como Mãe.
É por isso que a devoção a Maria,
bem vivida, é sempre como um sopro – fecundo, cálido e suave – que acende o
amor na alma, inflama a generosidade e move a abraçar sem reservas a vontade de
Deus.
“Se procurarmos Maria,
encontraremos Jesus”, diz São Josemaria, fazendo-se eco da tradição cristã (É
Cristo que passa, n. 144). No fundo de tudo o que a Virgem Santíssima sugere ao
coração dos homens, sempre pulsam as suas palavras em Caná: “Fazei tudo o que
Ele vos disser”. A verdadeira devoção é, por isso, radicalmente
“cristocêntrica” – conduz a Cristo –, é “teocêntrica” –leva para Deus. Nossa
Senhora vive e faz viver em função de Jesus. Não pode haver aí nem sombra de
“idolatria”.
Ao mesmo tempo, é claro que, se
Maria nos leva a Jesus, indefectivelmente nos aproxima também dos nossos
irmãos, que são irmãos de seu Filho e filhos dEla. Ela é a Mãe comum que nos
faz sentir fraternalmente vinculados em Cristo, membros da família de Deus (Cf.
Ef 2, 19), e nos desperta na alma ânsias de doação e de serviço aos outros. O
Coração de Maria infunde calor e força ao amor dos irmãos.
Como vemos, se a Virgem
Santíssima nos auxilia – e esta é a sua missão maternal –, é única e
exclusivamente para nos colocar mais plenamente em face das exigências da nossa
vocação cristã. É com este fim que Ela intercede por nós junto de Deus e
distribui as graças que o Senhor colocou em suas mãos. Mesmo os favores
maternos que Ela nos obtém em pequenas coisas – como em Caná – são incentivos
de carinho que nos ajudam a agradecer e a retribuir a Deus as suas bondades. Em
qualquer caso, Ela estende a sua mão para nos elevar – suave e fortemente – até
à meta da nossa vocação cristã, que é a santidade.
Com razão se pode afirmar, por
isso, que o amor de Maria por seus filhos é simultaneamente doce e exigente.
“Nossa Senhora, sem deixar de se comportar como Mãe, sabe colocar os seus
filhos em face de suas precisas responsabilidades. Aos que dEla se aproximam e
contemplam a sua vida, Maria faz sempre o imenso favor de os levar até a Cruz,
de os colocar bem diante do exemplo do Filho de Deus. E nesse confronto em que
se decide a vida cristã, Maria intercede para que a nossa conduta culmine com
uma reconciliação do irmão menor – tu e eu – com o Filho primogênito do Pai”
(São Josemaría Escrivá, ib., pág. 195).
A Jesus “se vai” por Maria, e a
Jesus “se volta” por Ela, diz Caminho (n. 495). Quando, ao rezar a Ave-Maria,
nós lhe pedimos “rogai por nós, pecadores”, fazemo-lo com a consciência de que
demasiadas vezes nos afastamos de Deus e, como o filho pródigo, precisamos
voltar para a casa do Pai.
Maria torna suave, também, e
esperançado esse retorno. Não é verdade que, perto da Mãe, nos tornamos a
sentir crianças? Despojamo-nos da nossa triste armadura de adultos, forjada
pelo orgulho, pela vergonha ou pela decepção. E então o fardo das nossas
misérias já não nos esmaga. Com Maria, sentimo-nos crianças reanimadas pela
ternura da Mãe, alegres por descobrir que, para um filho pequeno, sempre é
possível levantar-se, sempre é possível recomeçar, sempre é hora de esperar.
Ela é a porta perpetuamente aberta na Casa do Pai.
A Estrela da manhã, a Estrela do
mar, a nossa Mãe, guia-nos por toda a estrada da vida, passo a passo, na
bonança e na tormenta, nos avanços e nas quedas, até alcançarmos o repouso
definitivo no coração do Pai. Nunca percamos de vista que “foi Deus quem nos
deu Maria: não temos o direito de rejeitá-la, antes pelo contrário, devemos
recorrer a Ela com amor e com alegria de filhos” (São Josemaria Escrivá, É
Cristo que passa, n. 142).
Intensifiquemos o empenho de amor
e os pormenores de delicadeza para com a nossa Mãe nas festas e tempos que a
Igreja dedica especialmente a Ela: mês de maio, Solenidade da Assunção de
Maria, Novena da Imaculada Conceição, etc. Renovemos, com forte vitalidade,
essas devoções – sempre unidas à recitação amorosa do Rosário – que, por Maria,
nos levarão bem dentro do Coração de seu Filho Jesus.
Fonte: http://www.padrefaus.org
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