- A construção da amizade
Atualmente tem-se escrito muito sobre a amizade. Talvez o
homem de hoje, de forma especial, necessite desse dom tão precioso.
Mas o que é amizade? Existem muitas definições sobre
amizade, poetas e filósofos falam sobre ela – Platão, por exemplo, diz que “Na
amizade cintila um pouco do mistério de Deus”.
Antes de mais nada é importante compreendermos que a amizade
é construída, não nasce do dia para a noite. É na convivência do dia-a-dia,
através das pequenas coisas que vamos nos conhecendo, nos identificando e nos
escolhendo como amigos.
A amizade está fundamentada no amor, e o amor é uma atitude
exigente. Podemos, em meio à agitação do cotidiano, achar que nossos conhecidos
são nossos amigos, mas convém lembrar as diferenças no nível dos
relacionamentos: temos, talvez, inúmeros conhecidos, diversos colegas, mas
amigos são poucos. Pela própria natureza da amizade, é difícil que tenhamos
tantos amigos assim, muitos que conheçam profundamente o nosso coração, por
quem seríamos capazes de dar a nossa vida...
Jesus ensina o “segredo” da amizade: “Ninguém tem maior amor
do que aquele que dá a vida por seus amigos”. Essa frase tem muito a nos
ensinar, curar, transformar... Não existe amizade sem entrega, oblação, doação
e isso é um caminho a ser trilhado a cada dia, desde a descoberta do outro, de
seus dons, limites, virtudes... “Há amigos mais queridos do que um irmão” (Pv
18,24), entretanto não podemos esquecer que ”os riscos são precisos para
cativar um amigo.”
O caminho é bilateral, não há amizade sem adesão voluntária
de duas pessoas. Como já disse, muito tem se falado, escrito, cantado, mas é
necessário para o homem de hoje, marcado pelo consumismo, pela solidão, pela
“praticidade” das coisas, pelo descartável, “perder tempo” para construir
amizades. Podemos comprar muitas coisas, mas não o amor, a afinidade, a
afeição... a amizade!
Não existem amigos prontos nas prateleiras dos supermercados
ou lojas de conveniência. É nas sendas da vida que estão os tesouros, pessoas a
serem descobertas, amadas, aceitas. E para isso é preciso tempo (cuidar da
única rosa, segundo Exupéry), diálogo, história de vida que ao longo do caminho
se tornará história de amizade. Ela não tem dia nem hora marcada para surgir, é
como uma semente plantada em solo fértil, depois de aguá-la e tratá-la,
esperamos a “árvore”, e um belo dia quando olhamos ela está lá.
Muitas vezes, construir uma amizade pode parecer uma
violência para o homem do mundo atual, tão preso em si mesmo que se torna
incapaz de olhar para o outro. Quanto mais centralizado formos em nós mesmos,
menor a capacidade de termos amigos. “Por que em primeiro lugar, como pode ser
suportável a vida que não repousa na mútua benevolência de um amigo? Que coisa
é tão doce como ter um com quem falar de todo tão livremente como consigo
mesmo? Seria porventura tão grande o fruto das prosperidades, se não tivéssemos
quem delas se alegrasse, tanto quanto nós mesmos? E se poderiam sofrer as
adversidades sem alguém que as sentisse ainda mais que aqueles mesmos que as
experimentaram.”
As diversas formas de expressão na amizade
Na dinâmica da amizade é necessário expressão. É preciso
“cativar”.
E voltou então, à raposa:
- Adeus, disse ele...
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples:
só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos. (...) Foi o
tempo que perdeste com a tua rosa que fez a tua rosa tão importante. (...) Os
homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu
te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável
pela tua rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... Repetiu o
principezinho, a fim de se lembrar.
O amor que está em nós quer expressar-se e na amizade isso
pode ocorrer de várias formas: diálogo, cartas, telefonemas, passeios, no
olhar, na dor, na eloqüência do silêncio... Mesmo na distância a amizade tem
expressão. Quem de nós não tem um amigo que partiu – ou fomos nós que partimos!
– e, mesmo que não estejamos perto fisicamente, sabemos que sempre podemos
contar um com o outro, que nossos corações continuam irmãos... enfim, temos a
certeza do vínculo que nos une.
No relacionamento de amizade aprendemos muitas coisas: a
amar, escutar, perdoar, proteger o secreto do outro e a nos humanizar. “Mas
tirando-se tantos e tão grandes proveitos da amizade, o maior de todos é o que
faz conceber belas esperanças, para tudo que possa sobrevir, e não deixa que
desfaleçam os ânimos. Porque o verdadeiro amigo vê o outro como uma imagem de
si mesmo.”
Na alegria ou na dor, nada é de sobremaneira pesado quando
temos amigos. Mesmo passando por trevas, a amizade sempre nos oferece um
caminho novo, uma vida nova, uma esperança, pois no sofrimento também se prova
a amizade.
“Sem amigo, nada é agradável”, dizia Santo Agostinho. O
poeta também elaborou um pensamento especial sobre a amizade: “Eu poderia
suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas
enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro,
basta-me saber que eles existem... Esta mera condição me encoraja a seguir em
frente pela vida... mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro... embora
não declare e não os procure sempre...” (Vinícius de Morais).
O que seria da nossa vida se olhássemos para trás e não
víssemos as pegadas dos nossos amigos que marcaram o chão da nossa história? O
que seria da Igreja sem as fecundas amizades entre Francisco e Clara, Teresa e
João da Cruz... O que será de mim se não lançar sempre o meu olhar de gratidão
para Deus que me deu tantos amigos, em tantas épocas, em tantos lugares... Mas
de maneira especial dedico este artigo a minha amiga Nira, que unida a mim por
desígnios misteriosos da providência divina, com a sua vida me faz crer que o
amor é mais forte do que a morte (cf. Ct 8,6s).
Fonte: Revista Shalom Maná
Márcia Fernanda Moreno dos Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário