segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Decálogo. O primeiro mandamento


Jesus Cristo ensinou que para se salvar é necessário cumprir os mandamentos, que expressam a essência da lei moral natural. O primeiro mandamento é duplo: o amor a Deus e o amor ao próximo por amor a Deus.


1. Os Dez mandamentos ou Decálogo

Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou que para se salvar é necessário cumprir os mandamentos. Quando um jovem lhe pergunta: «Mestre, que devo fazer para atingir a vida eterna?» (Mt 19,16), Ele responde «Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos» (Mt 19,17). A seguir cita alguns preceitos referentes ao amor ao próximo: «Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás depoimento falso, honra a teu pai e a tua mãe» (Mt 19,18-19). Estes preceitos, junto com os referentes ao amor a Deus que o Senhor menciona em outras ocasiões, formam os dez mandamentos da Lei divina (cfr. Ex 20,1-17; Catecismo, 2052). «Os três primeiros referem-se mais explicitamente ao amor a Deus e os outros sete ao amor ao próximo» (Catecismo, 2067). 

Os dez mandamentos expressam a essência da lei moral natural (cfr.Catecismo, 1955). É uma lei inscrita no coração dos homens, cujo conhecimento se obscureceu como consequência do pecado original e dos sucessivos pecados pessoais. Deus quis revelar «algumas verdades religiosas e morais que, de per si não são inacessíveis à razão» (Catecismo, 38) para que todos a possam conhecer de modo completo e verdadeiro (cfr. Catecismo, 37-38). Revelou-a primeiro no Antigo Testamento e depois, plenamente, por meio de Jesus Cristo (cfr.Catecismo, 2053-2054). A Igreja guarda a Revelação e ensina-a a todos os homens (cfr. Catecismo, 2071). 

Alguns mandamentos estabelecem o que se deve fazer (p.ex., santificar as festas); outros assinalam o que nunca é lícito realizar (p.ex., matar a um inocente). Estes últimos indicam alguns atos que são intrinsecamente maus em razão de seu mesmo objeto moral, independentemente de quais sejam os motivos ou ulteriores intenções de quem os realiza e as circunstâncias que os acompanham[1]. 

«Jesus mostra que os mandamentos não devem ser entendidos somente como um limite mínimo que não se deve ultrapassar, mas como umasenda aberta para um caminho moral e espiritual de perfeição, cujo impulso interior é o amor (cfr. Col 3,14)»[2]. Por exemplo, o mandamento “Não matarás” contém a chamada não somente a respeitar a vida do próximo mas principalmente a promover seu desenvolvimento e fomentar seu enriquecimento como pessoas. Não se trata de proibições que limitam a liberdade; são luzes que mostram o caminho do bem e da felicidade, libertando o homem do erro moral. 

2. O primeiro mandamento 

O primeiro mandamento é duplo: o amor a Deus e o amor ao próximo por amor a Deus. «Mestre, qual é o mandamento principal da Lei? Ele lhe respondeu: -Amarás ao Senhor teu Deus com todo teu coração e com toda tua alma e com toda tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é como este: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas» (Mt 22,36-40). 

Este amor chama-se caridade. Com o mesmo termo designa-se também a virtude teologal cujo ato é o amor a Deus e aos demais por Deus. A caridade é um dom que infunde o Espírito Santo a quem são feitos filhos adotivos de Deus (cfr. Rm 5,5). A caridade deve crescer ao longo da vida nesta terra, pela ação do Espírito Santo e com nossa cooperação: crescer em santidade é crescer em caridade. A santidade não é outra coisa que a plenitude da filiação divina e da caridade. Também pode diminuir pelo pecado venial e inclusive se perder pelo pecado grave. A caridade tem uma ordem: Deus, os demais (por amor a Deus) e si próprio (por amor a Deus).

O amor a Deus 

Amar a Deus como filhos seus comporta: a) Escolhê-lO como fim último de tudo o que fazemos. Atuar em tudo por amor a Ele e para sua glória: «quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus» (1 Co 10,31). «"Deo omnis glória". -Para Deus toda a glória»[3]. Não pode haver uma finalidade superior a esta. Nenhum amor pode-se pôr acima do amor a Deus: «Quem ama a seu pai ou a sua mãe mais que a mim, não é digno de mim; e quem ama a seu filho ou a sua filha mais que a mim, não é digno de mim» (Mt 10,37). «Não há mais amor que o Amor!»[4]: não pode existir um verdadeiro amor que exclua ou postergue o amor a Deus. 

b) Cumprir a Vontade de Deus com obras: «Nem todo o que diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus» (Mt 7,21). A Vontade de Deus é que sejamos santos (cfr. 1 Ts 4,3), que sigamos a Cristo (cfr. Mt 17,5), realizando seus mandamentos (cfr. Jo 14,21). «Queres de verdade ser santo? -Cumpre o pequeno dever da cada momento: faz o que deves e está no que fazes»[5]. Cumpri-la também quando exige sacrifício: «não se faça minha vontade senão a tua» (Lc 22,42). 

c) Corresponder a seu amor por nós. Ele nos amou primeiro, nos criou livres e nos fez seus filhos (cfr. 1 Jo 4,19). O pecado é recusar o amor de Deus (cfr. Catecismo, 2094), mas Ele perdoa sempre, se entrega a nós sempre. «Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou a seu Filho como vítima de propiciação por nossos pecados» (1 Jo 4,10; cfr. Jo 3,16). «Amou-me e entregou-se a si mesmo por mim» (Ga 2,20). «Corresponder a tanto amor exige de nós uma total entrega, do corpo e da alma»[6]. Não é um sentimento, mas uma determinação da vontade que pode estar ou não estar acompanhada de afetos. 

O amor a Deus leva a buscar a intimidade com Ele. Este relacionamento é a oração e alimenta por sua vez o amor. Pode se revestir de diversas formas[7]: 

a) «A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura ante seu Criador» (Catecismo, 2628). É a atitude mais fundamental da religião (cfr. Catecismo, 2095). «Ao Senhor teu Deus adorarás e somente a Ele darás culto» (Mt 4,10). A adoração a Deus liberta das diversas formas de idolatria, que levam à escravatura. «Que tua oração seja sempre um sincero e real ato de adoração a Deus»[8]. 

b) A ação de graças (cfr. Catecismo, 2638), porque tudo o que somos e temos o recebemos dele para lhe dar glória: «Que tens que não tenhas recebido? E se recebeste-o, por que te glorias, como se não o tivesses recebido?» (1 Co 4,7). 

c) A petição, que por sua vez tem dois modos: a petição de perdão pelo que separa de Deus (o pecado) e a petição de ajuda, para si mesmo ou para outros, também para a Igreja e a humanidade inteira. Estas duas formas de petição manifestam-se no Pai Nosso: “... o pão nosso da cada dia nos dai hoje, perdoai nossas ofensas...”. A petição do cristão está cheia de segurança, «porque fomos salvos pela esperança» (Rm 8,24) e porque é uma petição filial, por meio de Cristo: «se algo pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo concederá» (Jo 16,23; cfr. 1 Jo 5,14-15). 

O amor manifesta-se também com o sacrifício, inseparável da oração: «a oração se valoriza com o sacrifício»[9]. O sacrifício é o oferecimento a Deus de um bem sensível, em sua homenagem, como expressão da entrega interior da própria vontade, isto é, da obediência a Deus. Cristo redimiu-nos pelo Sacrifício da Cruz, que manifesta sua perfeita obediência até a morte (cfr. Flp 2,8). Os cristãos, como membros de Cristo, podemos corredimircom Ele, unindo nossos sacrifícios ao seu, na Santa Missa (cfr. Catecismo, 2100). 

A oração e o sacrifício constituem o culto a Deus. Chama-se culto de latriaou adoração, para distinguir do culto aos Anjos e aos Santos que é de duliaou veneração e do culto com o que se honra à Santíssima Virgem, chamado de hiperdulia (cfr. Catecismo, 971). O ato de culto por excelência é a Santa Missa, reprodução da liturgia celeste. O amor a Deus deve manifestar na dignidade do culto: observância das prescrições da Igreja, «urbanidade da piedade»[10], cuidado e limpeza dos objetos. «Aquela mulher que em casa de Simão o leproso, em Betânia, unge com rico perfume a cabeça do Mestre, nos recorda o dever de sermos magnânimos no culto de Deus. -Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco»[11]. 

3. A fé e a esperança em Deus 

Fé, esperança e caridade são as três virtudes “teologais” (virtudes que se dirigem a Deus). A maior é a caridade (cfr. 1 Co 13,13), que dá forma” e “vida” sobrenatural à fé e à esperança (de modo semelhante a como a alma dá vida ao corpo). Mas a caridade pressupõe nesta terra a fé, porque só pode amar a Deus quem lhe conhece; e pressupõe também a esperança, porque só pode amar a Deus quem põe seu desejo de felicidade na união com Ele. 

A fé é um dom de Deus, luz na inteligência que nos permite conhecer a verdade que Deus revelou e assentir a ela. Implica duas coisas: crer o que Deus revelou (o mistério da Santíssima Trindade e todos os artigos do “Credo”) e crer no próprio Deus que o revelou (confiar nele). Não há nem pode ter oposição entre fé e razão. 

A formação doutrinal é importante para atingir uma fé firme e, portanto, para alimentar o amor a Deus e aos demais por Deus: para a santidade e o apostolado. A vida de fé é uma vida apoiada na fé e coerente com ela. 

A esperança é também um dom de Deus que leva a desejar a união com Ele, na que se encontra nossa felicidade, confiando em que nos dará a capacidade e os meios para a atingir (cfr. Catecismo, 2090). 

Os cristãos temos de estar «alegres na esperança» (Rm 12,12), porque se somos fiéis aguarda-nos a felicidade do Céu: a visão de Deus cara a cara (1 Co 13,12), a visão beatífica. «Se somos filhos, também herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo; contanto que padeçamos com ele, para ser com ele também glorificados» (Rm 8,17). A vida cristã nesta terra é um caminho de felicidade porque já agora temos uma antecipação dessa união com a Santíssima Trindade, pela graça, mas é uma felicidade com dor, com Cruz. A esperança faz conscientes de que vale a pena!: «Vale a pena jogar a vida inteira!: trabalhar e sofrer, por Amor, para levar avante os desígnios de Deus, para corredimir»[12]. 

Os pecados contra o primeiro mandamento são pecados contra as virtudes teologais: 

a) Contra a fé: o ateísmo, o agnosticismo, a indiferença religiosa, a heresia, a apostasia, o cisma, etc. (cfr. Catecismo, 2089). Também é contrário ao primeiro mandamento, por voluntariamente em perigo a própria fé, seja pela leitura de livros contrários à fé ou à moral, sem um motivo proporcionado e sem a preparação suficiente, ou por omitir outros meios para a guardar. 

b) Contra a esperança: o desespero da própria salvação (cfr. Catecismo, 2091) e, pelo extremo oposto, a presunção de que a misericórdia divina perdoará os pecados sem conversão nem contrição ou sem necessidade do sacramento da Penitência (cfr. Catecismo, 2092). Também é contrário a esta virtude pôr a esperança de felicidade última em algo fora de Deus. 

c) Contra a caridade: qualquer pecado é contrário à caridade. Mas diretamente opõe-se a ela a rejeição de Deus e também a tibieza: não querer lhe amar com todo o coração. Contrário ao culto a Deus é o sacrilégio, a simonia, certas práticas de superstição, magia, etc., e o satanismo (cfr. Catecismo, 2111-2128). 

4. Amor aos demais por amor a Deus

O amor a Deus deve compreender o amor a quem Deus ama. «Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê.. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão» (1 Jo 4,19-21). Não se pode amar a Deus sem amar a todos os homens, criados por Ele a sua imagem e semelhança e chamados a ser filhos seus pela graça sobrenatural (cfr. Catecismo, 2069).

«Com os filhos de Deus temos que nos comportar como filhos de Deus»[13]: 

a) portar-se como filho de Deus, como outro Cristo. O amor aos outros tem como regra o amor de Cristo: «Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.» (Jo 13,34-35). O Espírito Santo foi enviado aos nossos corações para que possamos amar como filhos de Deus, com o amor de Cristo (cfr. Rm 5,5). «Dar a vida pelos outros. Só assim se vive a vida de Jesus Cristo e nos fazemos uma só coisa com Ele»[14]. 

b) ver nos outros filhos de Deus, - Cristo: «todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt 25,40). Querer para eles seu verdadeiro bem, o que Deus quer: que sejam santos e, portanto, felizes. A primeira manifestação de caridade é o apostolado. Também leva a preocupar de suas necessidades materiais. Compreender –fazer próprias– as dificuldades espirituais e materiais dos demais. Saber perdoar. Ter misericórdia (cfr. Mt 5,7). «A caridade é paciente, é amável, não é invejosa, (...) não busca o seu, não se irrita, não toma em conta o mau...» (1 Co 4-5). A correção fraterna (cfr. Mt18,15). 

5. O amor a si mesmo por amor a Deus 

O preceito da caridade menciona também o amor a si mesmo: «Amarás a teu próximo como a si mesmo» (Mt 22,39). Há um correto amor a si mesmo: o amor de si por amor a Deus. Leva a buscar para um mesmo o que Deus quer: a santidade e, portanto, a felicidade (com sacrifício nesta terra, com Cruz). Há também um desordenado amor a si mesmo, o egoísmo, que é um amor a si mesmo por si mesmo, não por amor a Deus. É pôr a própria vontade acima da de Deus e o próprio interesse acima do serviço aos demais. 

O correto amor a si mesmo não se pode dar sem lutar contra o egoísmo. Comporta abnegação, entrega de si a Deus e aos demais. «Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á» (Mt 16, 24-25). O homem «não pode encontrar sua própria plenitude se não é na entrega sincera de si mesmo aos demais»[15]. 

Javier López 


Bibliografía básica 

Catecismo da Igreja Católica, 2064-2132. 

Leituras recomendadas 

Bento XVI, Enc. Deus caritas est, 25-12-2005, 1-18. 

Bento XVI, Enc. Spe salvi, 30-11-2007. 

São Josemaria, Homilias Vida de fé, A esperança do cristão, Com a força do amor, em Amigos de Deus, 190-237. 

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[1] Cfr. João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 6-8-1993, 80. 

[2] Idem, 15. 

[3] São Josemaria, Caminho, 780. 

[4] Idem, 417. 

[5] Idem, 815. Cfr. Idem, 933. 

[6] São Josemaria, É Cristo que passa, 87. 

[7] Cfr. São Josemaria, Caminho, 91. 

[8] São Josemaria, Forja, 263. 

[9] São Josemaria, Caminho, 81. 

[10] Idem, 541. 

[11] Idem, 527. Cfr. Mt 26,6-13. 

[12] São Josemaria, Forja, 26. 

[13] São Josemaria, É Cristo que passa, 36. 

[14] São Josemaria, Via Sacra, XIV Estação. Cfr. Bento XVI, Enc. Deus Caritas est, 25-12-2005, 12-15. 

[15] Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 24.


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