domingo, 5 de agosto de 2012

O esplendor da verdade





Nosso amado Papa João Paulo II iniciou com essas palavras uma das suas principais encíclicas sobre o ensinamento moral da Igreja: O esplendor da verdade brilha em todas as obras do Criador, particularmente no homem criado à imagem e semelhança de Deus: a verdade ilumina a inteligência e modela a liberdade do homem, que, deste modo, é levado a conhecer e a amar o Senhor. Por isso, reza o salmista: «Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face».

Infelizmente vivemos hoje numa sociedade que ignora a verdade, que finge desconhecer a sua existência. Ouço muito falar da "minha" verdade, como se a qualificação por si só não não ofuscasse o conceito de verdade. Não existe meia verdade, minha verdade, existe somente a verdade. A verdade é única, uma coisa não pode ser ao mesmo tempo verdade para um e mentira para outro.

Não estou tratando aqui de juízos de valor, coisa que aprendi numa das minhas primeiras aulas de filosofia na universidade, que é algo bem diferente. Falo de verdadeiro ou falso, certo ou errado. A verdade é objetiva, e é sobre isso que vamos falar, com base no belíssimo documento Veritais Splendor, do qual recomendo a leitura a todos.

Chamados à salvação pela fé em Jesus Cristo, «luz verdadeira que a todo o homem ilumina» os homens tornam-se «luz no Senhor» e «filhos da luz» esantificam-se pela «obediência à verdade». Esta obediência nem sempre é fácil. Na sequência daquele misterioso pecado de origem, cometido por instigação de Satanás, que é «mentiroso e pai da mentira», o homem é continuamente tentado a desviar o seu olhar do Deus vivo e verdadeiro para o dirigir aos ídolos, trocando «a verdade de Deus pela mentira»; então também a sua capacidade para conhecer a verdade fica ofuscada, e enfraquecida a sua vontade para se submeter a ela. E assim, abandonando-se ao relativismo e ao ceticismo, ele vai à procura de uma ilusória liberdade fora da própria verdade.

Rejeita-se a doutrina tradicional sobre a lei natural, sobre a universalidade e a permanente validade dos seus preceitos; consideram-se simplesmente inaceitáveis alguns ensinamentos morais da Igreja; pensa-se que o próprio Magistério possa intervir em matéria moral, somente para «exortar as consciências» e «propor os valores», nos quais depois cada um inspirará, de forma autónoma, as decisões e as escolhas da vida. Exemplos disso são "católicos" que lutam para a descriminalização do aborto, pela união civil de homossexuais ("casamento" gay), pela ordenação de mulheres, pela liberação da Eucaristia para casais de segunda união e tantos outros pontos onde já há declaração definitiva, e por isso imutável, do Sagrado Magistério da Igreja.

As prescrições morais, emanadas por Deus na Antiga Aliança e levadas à sua perfeição na Nova e Eterna Aliança pela Pessoa mesma do Filho de Deus feito homem, devem ser fielmente conservadas e permanentemente atualizadas nas diferentes culturas, ao longo da história. A tarefa da sua interpretação foi confiada por Jesus unicamente aos Apóstolos e aos seus sucessores, com a especial assistência do Espírito da verdade: «Quem vos ouve é a Mim que ouve». Com a luz e a força deste Espírito, os Apóstolos cumpriram a missão de pregar o Evangelho e de indicar a «via» do Senhor, ensinando, antes de mais, a seguir e a imitar Cristo.

O Concílio Vaticano II afirmou que «o encargo de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida pela Tradição foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo». Assim a Igreja, na sua vida e ensinamento, apresenta-se como «coluna e sustentáculo da verdade» (1 Tim 3, 15), inclusive da verdade sobre o agir moral. De fato, «à Igreja compete anunciar sempre e em toda a parte os princípios morais, mesmo de ordem social, bem como emitir juízo acerca de quaisquer realidades humanas, na medida em que o exijam os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas».

A reflexão moral da Igreja, sempre realizada à luz de Cristo, desenvolveu-se também na forma específica de ciência teológica, chamada «teologia moral», uma ciência que acolhe e interroga a Revelação divina e, ao mesmo tempo, responde às exigências da razão humana. A teologia moral é uma reflexão que se refere à moralidade, ou seja, ao bem e ao mal dos actos humanos e da pessoa que os realiza, e neste sentido está aberta a todos os homens; mas é também teologia, enquanto reconhece o princípio e o fim do agir moral n'Aquele que «só é bom» e que, doando-Se ao homem em Cristo, lhe oferece a bem-aventurança da vida divina.

Abrindo um parênteses, convido a todos os leitores a se juntarem a nós no grupo de estudos, que passará todo o próximo ano, e até mais se necessário for, estudando Teologia Moral. Será um desafio do qual estamos sedentos.

Em algumas correntes do pensamento moderno, chegou-se a exaltar a liberdade até ao ponto de se tornar um absoluto, que seria a fonte dos valores. Nesta direção, movem-se as doutrinas que perderam o sentido da transcendência ou as que são explicitamente atéias. Atribuiram-se à consciência individual as prerrogativas de instância suprema do juízo moral, que decide categórica e infalivelmente o bem e o mal. À afirmação do dever de seguir a própria consciência foi indevidamente acrescentada aquela outra de que o juízo moral é verdadeiro pelo próprio fato de provir da consciência. Deste modo, porém, a imprescindível exigência de verdade desapareceu em prol de um critério de sinceridade, de autenticidade, de «acordo consigo próprio», a ponto de se ter chegado a uma concepção radicalmente subjetivista do juízo moral.

O Santo Padre Bento XVI chama essas correntes e a força que as mesmas tem junto à sociedade de "ditadura do relativismo".

Perante os nossos contemporâneos que "apreciam grandemente" a liberdade e que a "procuram com ardor", mas que muitas vezes a fomentam dum modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade, o CV II apresenta a verdadeira liberdade: «A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis "deixar o homem entregue à sua própria decisão", para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele». Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação moral grave para cada um de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida. Neste sentido, afirmava com decisão o Cardeal J. H. Newman, eminente defensor dos direitos da consciência: «A consciência tem direitos, porque tem deveres».

Lemos no livro do Genesis: «O Senhor deu esta ordem ao homem: "Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás"» Com esta imagem, a Revelação ensina que não pertence ao homem o poder de decidir o bem e o mal, mas somente a Deus.

O homem goza de uma liberdade bastante ampla, já que pode comer de todas as árvores do jardim. Mas esta liberdade não é ilimitada: deve deter-se diante da árvore da ciência do bem e do mal, chamada que é a aceitar a lei moral que Deus dá ao homem.

A consciência, como juízo de um ato, não está isenta da possibilidade de erro. Por vezes o homem se descuida de procurar a verdade e o bem, e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado. Com estas breves palavras, o CV II oferece uma síntese da doutrina que a Igreja, ao longo dos séculos, elaborou sobre a consciência errônea. Sem dúvida, o homem, para ter uma boa consciência, deve procurar a verdade e julgar segundo esta mesma verdade. Como diz o apóstolo Paulo, a consciência deve ser iluminada pelo Espírito Santo, deve ser pura, não deve com astúcia adulterar a palavra de Deus, mas manifestar claramente a verdade. Por outro lado, o mesmo Apóstolo adverte os cristãos, dizendo: «Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (Rm 12, 2).

A consciência, como juízo último concreto, compromete a sua dignidade quando é culpavelmente errônea, ou seja, quando o homem não se preocupa de buscar a verdade e o bem, e quando a consciência se torna quase cega em consequência do hábito ao pecado. Jesus alude aos perigos da deformação da consciência, quando admoesta: «A lâmpada do corpo é o olho; se o teu olho estiver são, todo o teu corpo andará iluminado. Se, porém, o teu olho for mau, todo o teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!» (Mt 6, 22-23).

Uma grande ajuda para a formação da consciência têm-na os cristãos, na Igreja e no seu Magistério, como afirma o CV II: «Os fiéis, por sua vez, para formarem a sua própria consciência, devem atender diligentemente à doutrina sagrada e certa da Igreja. Pois, por vontade de Cristo, a Igreja Católica é mestra da verdade, e tem por encargo dar a conhecer e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo, e ao mesmo tempo declara e confirma, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que dimanam da natureza humana».

Portanto, a autoridade da Igreja, que se pronuncia sobre as questões morais, não lesa de modo algum a liberdade de consciência dos cristãos: não apenas porque a liberdade da consciência nunca é liberdade «da» verdade, mas sempre e só «na» verdade; mas também porque o Magistério não apresenta à consciência cristã verdades que lhe são estranhas, antes manifesta as verdades que deveria já possuir, desenvolvendo-as a partir do ato originário da fé. 

A Igreja põe-se sempre e só ao serviço da consciência, ajudando-a a não se deixar levar cá e lá por qualquer sopro de doutrina, ao sabor da maldade dos homens, a não se desviar da verdade sobre o bem do homem, mas, especialmente nas questões mais difíceis, a alcançar com segurança a verdade e a permanecer nela.

Amém!

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