segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

“Um ano que termina”



Ao fim de mais um ano, todo cristão, deve refletir sobre seu caminho aqui na terra, o que deve melhorar? Quais virtudes devemos cultivar? Entre tantas outras perguntas,  o que devemos ter em nossa vida é a esperança de sempre, em quanto houver vida, recomeçar. Segue abaixo uma pequena reflexão de um Santo que gosto muito, São Josemaria Escrivá , sobre esse tempo que vivemos na terra.  

Quando recordares a tua vida passada, passada sem pena nem glória, considera quanto tempo tens perdido e como o podes recuperar: com penitência e com maior entrega. (Sulco, 996)

Um ano que termina - já foi dito de mil modos, mais ou menos poéticos - é, com a graça e a misericórdia de Deus, mais um passo que nos aproxima do Céu, da nossa Pátria definitiva.


Ao pensar nesta realidade, compreendo perfeitamente a exclamação que São Paulo dirige aos de Corinto: Tempus breve est!, como é breve a duração da nossa passagem pela terra! Para um cristão coerente, estas palavras soam-lhe no mais íntimo do coração como uma censura pela sua falta de generosidade e como um convite constante para que seja leal. Verdadeiramente, é curto o nosso tempo para amar, para dar, para desagravar. Não é justo, portanto, que o malbaratemos nem que atiremos irresponsavelmente esse tesouro pela janela fora. Não podemos desperdiçar esta etapa do mundo que Deus confia a cada um de nós.


Pensemos na nossa vida com valentia. Por que não conseguimos, às vezes, os minutos de que precisamos para terminar amorosamente o nosso trabalho, que é o meio da nossa santificação? Por que descuramos as obrigações familiares? Por que nos entra a precipitação à hora de rezar ou de assistir ao Santo Sacrifício da Missa? Por que nos faltam a serenidade e a calma para cumprirmos os deveres do nosso estado, e nos entretemos sem pressa nenhuma em ir atrás dos caprichos pessoais? Poderemos responder: são ninharias. Sim, é verdade; mas essas ninharias são o azeite, o nosso azeite, que mantém viva a chama e acesa a luz. (Amigos de Deus, 39-41)

Fonte: http://www.opusdei.org.br

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Tempo de Natal: Nasceu-vos um Salvador



Contemplação de Jesus Menino

Que vamos fazer, nestes dias do tempo de Natal, já desde a noite em que Jesus nasceu? Voltar os olhos e o coração, inteiramente, para a figura do Menino, envolto nos paninhos que a Mãe trouxe de Nazaré e reclinado sobre as palhas do Presépio. Não sentimos desejos de olhar para Ele e dizer-lhe: Meu Senhor e meu Deus!? Porque esse Menino que vemos na manjedoura é Deus feito homem, que vem ao nosso encontro para nos salvar. Tanto amou Deus o mundo – dizia Jesus a Nicodemos – que lhe deu seu Filho único… Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele (Jo 3,16).
Contemplando este mistério da Encarnação do Verbo, estamos no coração da nossa fé cristã. É um mistério que nos dá a certeza de que Deus é Amor e nos quer com loucura. Essa é precisamente a certeza que fazia o Apóstolo São João exclamar: Deus é amor! Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter enviado o seu Filho único, para que vivamos por Ele (1 Jo 4,8-9).
Sim, no Natal, o amor de Deus invisível se faz visível. Está aqui, junto de nós, no Presépio.
São João extasiava-se com essa maravilha da bondade de Deus, que é a vinda do Verbo encarnado, e dizia: Ninguém jamais viu a Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou (Jo 1,18). E, cheio de júbilo por tê-lo conhecido, por ter convivido com Ele durante três anos e ter experimentado o seu carinho, exclamava: Nós o vimos com os nossos olhos, nós o contemplamos, nós o ouvimos, nós o tocamos com as mãos…! (cf. 1 Jo 1,1-3) Por experiência própria, podia afirmar: Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é Amor (1 Jo 4,8).
Jesus é Deus feito homem, que nos ama com toda a força do seu Amor divino e humano. É o seu um amor grande e verdadeiro, que tem os dois sinais claros da autenticidade. Primeiro, é uma doação plena. Amor que não se dá não é amor. Mas não é um dar-se qualquer, é uma doação que visa o nosso bem. E aí está o segundo sinal de autenticidade: todo o verdadeiro amor, ao dar-se, quer bem, ou seja, dá-se procurando o bem da pessoa amada.

A verdade que Jesus nos traz

E qual é o bem, quais são os bens que Jesus nos traz? Todos os bens! A vida verdadeira, a vida eterna! A felicidade que não poderá morrer! Nessa infinita riqueza de bens divinos, podemos distinguir especialmente três grandes tesouros. O tesouro da verdade, que Ele nos ensina; o tesouro do caminho do Céu, que Ele abre e nos mostra; e o tesouro da vida nova dos filhos de Deus, que Ele ganha para nós na Cruz.
Tudo isso resumiu-o Jesus numa só frase: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6). Será que captamos a importância dessas palavras? Tentemos arrancar do fundo delas a grande luz que encerram, meditando um pouco sobre o seu significado.
Jesus nos traz, primeiro, a luz da Verdade. Vem-me à cabeça agora o pai de São João Batista, Zacarias – o marido de Santa Isabel –, que profetizou o nascimento de Jesus de uma maneira muito significativa. Dizia que a ternura e misericórdia do nosso Deus nos vai trazer do alto a visita do Sol nascente, que há de iluminar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz (Lc 1,78-79). Desde antes de nascer, Jesus já é anunciado como o Sol, como a Luz, a Luz da Verdade, que nos guiará para o bem e para a paz, para a paz terrena e eterna.
Isso é o que também diz São João no prólogo do seu Evangelho? Ele era a verdadeira Luz, que vindo ao mundo ilumina todo homem… A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam (cf. Jo 1,9-11). Que pena se nós não a recebêssemos, que pena se nós não a compreendêssemos! Porque a Verdade que Ele nos traz não é uma verdade qualquer: é a única verdade-verdadeira, a única verdade que salva: a verdade sobre Deus, sobre o mundo e sobre o homem. Só ela pode dar sentido à nossa vida.
Utilizando-nos de uma comparação do próprio Cristo, podemos dizer que a Verdade que Ele nos ensina é como a semente na mão do semeador. Pode cair nas pedras ou entre espinhos e morrer; ou pode cair numa boa terra e dar fruto (cf. Mt 13, 4 ss.). Depende de nós.
Se procurássemos acolher essa Verdade com carinho, seria uma maravilha, seríamos– no empenho por edificar a nosa vida – como o construtor de que Jesus falava: Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha (Mt 7,24). Nem a chuva, nem o vento, nem as tormentas conseguiriam derrubá-la. Porque essa verdade nos daria – como diz a Bíblia – um amor forte como a morte (Cânt 8,6).
O caminho que Jesus nos mostra
Se continuarmos a olhar para Jesus Menino, veremos que Ele nos diz também, como já mencionávamos: Eu sou o Caminho. Toda a sua vida é exemplo e caminho para nós, é como a sinalização luminosa da estrada que conduz a Deus, o roteiro que devemos seguir para nos realizarmos nesta terra e na eternidade.
É por isso que Jesus diz, muitas vezes: Segue-me!… Compara-nos às ovelhas que Ele, o Bom Pastor, conduz, entre brumas e perigos, até o pasto que alimenta e o refúgio seguro. Ele é o Bom Pastor que caminha adiante delas, adiante de nós, indicando-nos o caminho; mais: sendo, com o seu exemplo, Ele próprio o caminho …
Acontece que o caminho de Cristo é, essencialmente, o caminho do Amor. Caminhai no amor – escrevia São Paulo –, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós se entregou… (Ef 5,2).
O amor que é caminho é o Amor autêntico, com maiúscula, o Amor que vem de Deus (1 Jo 4,7). Não é fumaça cor de rosa, nem é uma teoria, nem é só uma paixão que arde e se evapora, é um amor vivo, sincero e realista, que se manifesta, no dia-a-dia, na prática das virtudes, que são como que o selo de garantia do amor.
Por isso, aquele que ama esforça-se por ser – com a graça de Deus – generoso, compreensivo, dedicado, paciente; e também por ser constante, por ser forte na adversidade, por ser sóbrio e moderado nos prazeres; por ser caridoso, gentil, prestativo; por ser justo, discreto…; por dar a Deus cada dia mais amor, e aos irmãos também. Em suma, por levar a sério a prática das virtudes humanas e cristãs.
Nunca percamos de vista que aquele que ama faz, age, não fica só pensando e sentindo. É exatamente isso o que nos diz São João, o grande intérprete do Amor de Cristo: Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas por atos e em verdade (1 Jo 3,18). E é claro que isso se aplica tanto ao amor a Deus como ao amor ao próximo. Como diz o mesmo São João: Temos de Deus este mandamento: quem ama a Deus, ame também a seu irmão (1 Jo 4,21).

A vida que Jesus nos dá

Com o olhar da contemplação sempre fixo no Menino, pensemos na terceira coisa que Ele nos diz: Eu sou a Vida. Jesus é Deus que se faz homem, para que o homem, de uma maneira inefável, passe a viver uma vida nova, a vida de “Deus”. É um pensamento que deixava os santos pasmados, inebriados de alegria e agradecimento. Significa que Jesus nos traz a graça divina, a graça do Espírito Santo, que nos une intimamente a Ele e nos comunica a sua própria vida: Da sua plenitude todos nós recebemos, e graça sobre graça. Pois a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo (Jo 1, 16-17).
Como conforta pensar que a graça divina, que recebemos pela primeira vez no batismo, nos transforma, comunicando-nos uma vida nova, que é – nada mais e nada menos – uma participação na própria vida de Deus. O Novo Testamento traz expressões belíssimas desse mistério da graça na alma. Por exemplo, São Pedro diz que ela nos faz participantes da natureza divina (2 Pedr 1,4). São João afirma que a graça – que vem sempre à alma juntamente com o Espírito Santo – nos dá o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1, 12). E São Paulo declara, com grande alegria, que, com a graça do Espírito Santo, não recebemos um espírito de escravidão, para vivermos ainda no temor, mas recebemos o espírito de adoção como filhos, pelo qual clamamos: Abbá, Pai! Papai! (Rom 8,15).
Jesus, nosso Redentor, é a fonte de toda a graça. Aquele que tiver sede, venha a mim e beba (Jo 7,37), dizia… E nos prometia derramar o Espírito Santo, sem medida, na alma.
Na verdade, o peito de Cristo aberto na Cruz, até dar-nos as últimas gotas de sangue e água, é o manancial de onde brotam as sete fontes pelas quais nos vem a graça do Espírito Santo: os sete Sacramentos.
Cada um deles nos une a Deus (e aos nossos irmãos) de uma maneira própria. O Batismo transforma-nos em filhos de Deus; a Crisma dá-nos a força do Espírito Santo para sermos fiéis soldados de Cristo e apóstolos; a Reconciliação ou Confissão cura a alma doente e ressuscita a que está morta pelo pecado; a Eucaristia une-nos intimamente a Jesus, que se faz Alimento e Vida da nossa alma; o sacramento da Ordem transforma os sacerdotes em instrumentos vivos de Cristo sacerdote; o Matrimônio implanta a poderosa semente da graça e do amor de Deus no amor dos esposos e dos pais; e a Unção dos Enfermos é a mão carinhosa de Jesus, que nos ergue da doença ou nos leva para o Céu.
E, assim, os sete Sacramentos, juntamente com as virtudes e com a força poe rosa da oração – que é a respiração vital da alma do cristão – vão-nos identificando com Cristo, vão-nos transformando espiritualmente nEle, fazem com que pensemos como Cristo, sintamos como Cristo, amemos como Cristo, atuemos como Cristo. Esta é a vida dos cristãos, a vida dos filhos de Deus que se identificam com Jesus.
Por isso, este tempo de Natal é um bom momento para nos perguntarmos, diante de Jesus Menino: “Eu vivo como filho de Deus? A minha oração é oração de um filho? Está cheia do abandono e da confiança dos filhos muito amados? Posso dizer que o meu temor é filial, ou seja, que não temo que Deus me abandone ou me castigue, mas temo só magoá-lo, ofendê-lo? Cumpro os mandamentos com carinho de filho, ou com a má vontade do escravo forçado? Tenho delicadezas de afeto filial para com Deus, para com Nossa Senhora…? Enfim, eu poderia pôr o adjetivo filial em tudo o que penso, sinto e faço?…”
Seria tão bom que este Natal nos envolvesse no Amor de Deus, tal como uma grande luz envolveu os pastores, na noite em que Jesus nasceu (Lc 2,9), e nos tirasse da mediocridade e da tristeza, que é sempre fruto de algum obstáculo (preguiça, egoísmo, mesquinhez, sensualidade…) entre Deus e mim, como dizia São Josemaria.
Coloquemos este bom desejo aos pés de Jesus, neste santo Natal. Não nos esqueçamos de que, em cada Natal, Deus chega muito perto de nós. Em cada Natal, Jesus – ultrapassando as barreiras do tempo – leva-nos para junto do Presépio. Em cada Natal, Maria, a Mãe, oferece-nos o Menino, sob o olhar sorridente de José. Em cada Natal, Jesus também sorri para nós, e nos pergunta: “Será agora? Será desta vez…? Confia – diz-nos –, eu estou aqui para te ajudar”. Sim, em cada Natal, uma grande luz brilha para nós. Em cada Natal, há uma esperança que desponta. Cada Natal, em suma, pode ser para nós um novo nascimento. É isso que agora deveríamos pedir com muita fé a Jesus, pela intercessão de Maria, sua Mãe e Mãe nossa, e de São José.

‎(‏adaptação de um capítulo do livro de F. Faus: Natal, reunião dos sorrisos)

Fonte: http://www.padrefaus.org

sábado, 22 de dezembro de 2012

Muitas histórias, um Natal



Qual é a origem de nossas tradições natalinas? Para “recuperar o sentido cristão destas festas” – como pede o Prelado em sua carta -, pode ser útil conhecer a origem dos costumes, como a árvore ou o presépio. Consideremos algumas.



A COROA DO ADVENTO

A coroa do Advento compõe-se de quatro velas com quatro ramos de vegetais, que vão se acendendo, uma a uma, nas quatro semanas que precedem o Natal. 

A coroa do advento encontra suas raízes nos costumes anteriores ao cristianismo, dos povos do norte, entre os séculos IV e VI. Durante o inverno e a pouca luz de dezembro, colhiam coroas de ramos verdes e acendiam fogos, como sinal de esperança pela vinda da primavera. 



No século XVI, católicos e protestantes alemães começaram a utilizar este símbolo durante o Advento. Aqueles costumes primitivos continham uma semente de verdade que agora podiam expressar a Verdade suprema: Jesus é a Luz que veio, que está conosco e que virá na glória. As velas antecipam a vinda da Luz no Natal: Jesus Cristo. 

A coroa está cheia de símbolos: a luz lembra a salvação; o verde, a vida; sua forma redonda a eternidade etc. 




A DATA: O DIA 25 DE DEZEMBRO


Em um primeiro momento, durante os séculos I e II depois de Cristo, os cristãos não celebravam o nascimento de Jesus. Sabia-se quando tinha morrido, na Páscoa Judaica, mas não quando havia nascido. Porém, no século III existem os primeiros testemunhos de que a festa do Nascimento de Cristo era celebrada pela Igreja, ainda que de forma clandestina, no dia 25 de dezembro. 


 
Como em outros casos, os primeiros cristãos aproveitaram festividades pagãs para celebrar sua fé. No caso do Natal, em torno do dia 25 de dezembro, as civilizações pré-cristãs celebravam o solstício de inverno, no qual a luz voltava a aparecer e terminavam as trevas. Ainda que seja uma época de frio e de noites longas, sabe-se que a vida volta a se iniciar. 

De seu lado, os romanos celebravam, entre os dias 17 e 24 de dezembro, as Saturnalia, festa dedicadas ao deus Saturno. Na época imperial, a partir dos séculos I e II, se fixou o dia 25 de dezembro como o dia do nascimento do “Sol invicto”, divindade que era representada por um recém nascido. Era um dia de festa, ninguém trabalhava, inclusive os escravos festejavam. 

Logo, a já grande comunidade romana de cristãos – que ainda vivia na clandestinidade – aproveitou essa data, tão celebrada na sociedade romana, para celebrar o nascimento de Jesus, cuja data era desconhecida.

A difusão da celebração litúrgica do Natal foi rápida. Após as perseguições de Diocleciano, em 354, foi fixada oficialmente a data do nascimento de Cristo. É possível considerar que, no século V, o Natal era uma festa universal, já que na ocasião a Igreja não estava dividida. 

Também os povos do Norte da Europa celebravam uma série de festas ao redor do solstício, em honra a deuses como Thor, Odin ou Yule, razão pela qual não custou aos evangelizadores adaptar as festas pagãs ao Natal. 

MISSA DO GALO




No século V, o Papa Sixto III introduziu em Roma o costume de celebrar no Natal uma vigília noturna, à meia noite, “mox ut gallus cantaverit” (“enquanto o galo canta”). A missa tinha lugar num pequeno oratório, chamado “ad praesepium” (“junto ao presépio”), situado atrás do altar mor da Basílica paleo-cristã de São Pedro. 

A celebração Eucarística dessa Noite Santa começa com um convite insistente e urgente à alegria: “Alegremo-nos todos no Senhor – dizem os textos da liturgia -, porque nosso Salvador nasceu no mundo”. O tempo litúrgico do Natal vai até o domingo do Batismo do Senhor, o domingo que se segue à Epifania. 

OS PRESÉPIOS



O presépio é a representação doméstica do mistério do Nascimento de Jesus. O costume surgiu quando, no Natal de 1223, na Itália, São Francisco de Assis oficiou como diácono a Missa dentro de uma gruta na localidade de Greccio. Nela, após pedir permissão ao Papa Honório III, tinha montado um presépio com uma imagem em pedra do Menino Jesus e um boi e um asno vivos. 

Esta representação de Greccio foi o ponto de partida de um fenômeno extraordinário de difusão do culto do Natal. A partir do próprio século XIII, a elaboração de presépios difundiu-se por toda a Itália. Os frades franciscanos imitaram seu fundador nas igrejas dos conventos abertos na Europa. Este costume propagou-se por toda a Europa durante os séculos XIV e XV. 
Atualmente, o movimento da representação do nascimento de Cristo tem um grande êxito, principalmente na Itália, Espanha e América Latina. Na França, após a Revolução Francesa, em que foram proibidas as manifestações natalinas, nasceram com muita força na região da Provença. Até mesmo as comunidades protestantes, ainda que não montem presépios em suas casas, conservam, sim, a tradição de montar “presépios vivos” com crianças. 



A ÁRVORE DE NATAL

É outra tradição pré-cristã que adquiriu um significado profundamente cristão. Muitas tradições, todas de procedência nórdica, reclamam o costume da árvore de Natal, ainda que nenhuma seja confiável, pelo que sua origem se perde na noite dos tempos. 

Os antigos povoadores da Europa Central e Escandinávia consideravam as árvores seres sagrados. Assim, na época do solstício de inverno, adornavam a árvore mais alta e poderosa do bosque com luzes e com frutos (maçãs, por exemplo), acreditando que suas raízes chegavam ao reino dos deuses, onde se encontravam Thor e Odin. 


Segundo a tradição, o cristianismo atribuiu uma leitura mais profunda a este costume. Conta-se que São Bonifácio – um sacerdote inglês que evangelizou a Europa Central nos séculos VII e VIII –, explicava o mistério da Trindade com a forma triangular do abeto (pinheiro): os frutos seriam os dons do Espírito Santo (os presentes de Deus aos homens); a estrela seria Cristo, a luz de Deus, a luz do mundo; e o tronco é facilmente assimilável à tradição cristã, que utiliza também muitas árvores em sua catequese: a árvore do Paraíso, da ciência do Bem e do Mal, a árvore de Jessé, o santo madeiro do qual se fez a cruz... 

A partir do sáculo XV, os fiéis começaram a montar as árvores em suas casas. Com a reforma protestante – que suprime as tradições do presépio e de São Nicolau –, a árvore adquire maior protagonismo em muitos países do norte. A seus pés, as crianças encontram os presentes trazidos pelo Menino Jesus. 

O enorme êxito da árvore no mundo anglo-saxão deve-se à rainha Vitória, que instalou uma no palácio real em 1830 e estendeu o costume a todo o reino. Em 1848, chegou até a felicitar as festividades natalinas com uma imagem da família real junto à árvore, o que contribuiu para sua difusão também nos Estados Unidos da América. 

A difusão da árvore no mundo protestante fez com que, nos países católicos, especialmente do sul da Europa, se desse menos importância a essa tradição. Mais recentemente, com dois pontífices centro-europeus, o costume da árvore de Natal recuperou sua importância. 

Em 1982, a árvore foi instalada pela primeira vez na Praça de São Pedro:“Que significa esta árvore? – perguntava João Paulo II -. Eu creio que é o símbolo da árvore da vida, aquela árvore mencionada no livro do Gênesis e que foi plantada na terra da humanidade junto a Cristo (...). Depois, no momento em que Cristo veio ao mundo, a árvore da vida voltou a ser plantada através dEle e agora cresce com Ele e amadurece na cruz (...). Devo dizer-lhes -   confessava – que eu pessoalmente, apesar de ter uns quantos anos, espero impacientemente a chegada do Natal, momento em que é trazido aos meus aposentos esta pequena árvore. Tudo isso tem um enorme significado, que transcende as idades...”. 

OS PRESENTES


A relação Natal-presente é muito antiga. Desde o início, um presente nestas datas tem sido um modo de transmitir de modo material às pessoas queridas a alegria própria pelo nascimento do Filho de Deus. 

Até o século XIX, não se generalizou a idéia, fruto das classes médias, da burguesia. Reis Magos, Menino Jesus, São Nicolau ou Papai Noel, Befana, Olentzero, Caga Tiò... são personagens que, nas festas natalinas, trazem presentes às crianças. Mas muitos destes personagens têm uma longa história. Contaremos duas. 



Reis Magos

A importância dos Reis Magos é principalmente religiosa: eles são os protagonistas da Epifania, isto é, da manifestação de Deus a todos os homens, de todos os povos da terra. 

Já tinham sido anunciados no Antigo Testamento (o Livro dos Reis e Isaias), e São Mateus os descreve como “magos do Oriente”. Que fossem três, e reis, é uma tradição que se consolidou rapidamente, como o demonstrou Orígenes, teólogo do século II. Provavelmente, tratava-se de sacerdotes da Babilônia, do culto de Zoroastro, dedicados à astrologia. 



No século V, Leão Magno fixa em três o número de reis, representando assim as três raças humanas: a semítica, representada pelo rei jovem; a camítica, representada pelo rei negro; a jafética, representada pelo rei mais velho. No século XV, com o descobrimento de novas terras, adquirem seus traços definitivos. 

Ao longo da história, têm recebido nomes como Magalath, Galgalath e Serakin; Appellicon, Amerin y Damascón; ou Ator, Sater e Paratoras. Os nomes Melchior, Gaspar e Baltasar aparecem pela primeira vez em um pergaminho do século VII. 


Os restos dos reis magos, após serem encontrados por Santa Helena, em Saba, viveram em agitadas viagens por toda a Europa, até que repousaram finalmente na catedral de Colônia. 


Papai Noel



São Nicolau foi um bispo cristão que viveu na atual Turquia, no século IV. Ainda que tenha feito muitos milagres, o mais conhecido foi o que restituiu a vida a três meninos que haviam sido esquartejados por um carniceiro que havia colocado seus restos em uns sacos. Por isso, sua figura esteve sempre unida às dos meninos. Sua devoção sempre existiu tanto na Igreja católica como na ortodoxa. Logo se associou o santo aos presentes que as crianças recebiam no Natal. 

A imagem atual é uma mistura do Sinterklaas holandês e tradições escandinavas que haviam chegado aos Estados Unidos. Sua origem remonta a uma noite de 1822, quando o pastor protestante Clément C. Moore criou o personagem Santa Claus. No dia 24 de dezembro, ao cair da tarde, sua esposa descobriu que faltavam algumas coisas para a ceia e pediu a seu marido que fosse comprá-las. Na volta, Clement se entreteve algum tempo com o guarda Jan Duychinck: um holandês gordo e efusivo, com vontade de contar as tradições natalinas de sua terra, em particular os costumes relacionados com Sinterklaas (São Claus). 

Já em casa, enquanto a esposa preparava a ceia, redigiu um poema para suas três filhas, contando a visita que lhe havia feito São Nicolau. A figura que descreveu era a mesma de Duychinck: um indivíduo cordial, gordo, de olhos chispeantes, nariz vermelho e faces rosadas, que trazia consigo um cachimbo e dizia “ho, ho, ho”. Ainda que o personagem se chamasse São Nicolau, nada tinha a ver com o bispo. 

(*) Artigo escrito por M. Narbona, Doutor em História.

Fonte:http://www.opusdei.org.br

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

NOSSA SENHORA DE GUADALUPE



Padroeira Principal da América Latina


Festa

– A aparição da Virgem a Juan Diego.

– Nossa Senhora precede todo o apostolado e prepara as almas.

– A nova evangelização. O Senhor conta conosco. Aproveitar todas as ocasiões.

No dia 9 de dezembro de 1531, a Virgem Maria apareceu a um índio chamado Juan Diego, no monte Tepeyac, perto da cidade do México, manifestando-lhe o seu desejo de que se erigisse ali um templo. Depois de o tio de Juan Diego ter sido curado milagrosamente no dia 12 de dezembro, quando Juan levava ao bispo umas flores que a Virgem lhe dera, ao deixá-las cair do seu poncho apareceu gravada nessa peça do vestuário a imagem da Senhora que até hoje é venerada no Santuário da Basílica de Guadalupe, no México. Era o sinal que o bispo Juan de Zumárraga tinha pedido. Em 1553, o prelado construiu uma Basílica, como Nossa Senhora lhe tinha pedido.

Existem diversos documentos que testemunham esse episódio. O mais antigo é o Nican Mopohua, relato das aparições em língua azteca, baseado nas declarações de testemunhas oculares que presenciaram as entrevistas entre Zumárraga e Juan Diego. Conserva-se na Biblioteca Nacional do México.

I. A DEVOÇÃO a Nossa Senhora de Guadalupe no México tem a sua origem nos começos da evangelização desse país, quando os fiéis eram ainda muito poucos. Nossa Senhora apareceu a um camponês índio, de nome Juan Diego, e enviou-o ao bispo da cidade do México para manifestar-lhe o desejo de que lhe fosse dedicado um templo numa colina próxima, chamada Tepeyac. A Virgem disse ao índio na primeira aparição: “Quero muito, desejo muito que aqui me seja erigido um templo, em que me mostrarei e me darei às pessoas em todo o meu amor, no meu olhar compassivo, no meu auxílio, na minha salvação: porque em verdade Eu sou a vossa Mãe compassiva, tua e de todos os homens [...]. Nesse templo escutarei os seus prantos e a sua tristeza, para remediá-los, para lhes curar todas as suas diversas penas, as suas misérias e as suas dores”1.

O bispo do lugar, antes de aceder ao pedido, quis um sinal. E Juan Diego, por indicação da Senhora dos Céus, cortou umas braçadas de rosas que ela fizera brotar sobre a árida colina, a mais de dois mil metros de altura, em pleno mês de dezembro. Depois, foi ter com o bispo e estendeu-lhe o seu branco ayate, o manto, onde colocara as flores. E quando as rosas caíram ao chão, “surgiu de repente a Amada imagem da Perfeita Virgem Santa Maria, Mãe de Deus, na forma e figura em que hoje se encontra”2. Essa imagem de Nossa Senhora de Guadalupe ficou impressa no rústico poncho do índio, tecido com fibras vegetais. Representa a Virgem como uma jovem mulher de rosto moreno, rodeada por uma luz radiante.

Maria disse a Juan Diego, e repete a todos os cristãos: “Não estou Eu aqui, Eu que sou a tua Mãe? Não estás debaixo da minha sombra? Não estás porventura no meu regaço?” Por que devemos temer, se Ela é a Mãe de Jesus e Mãe dos homens?

Com a aparição de Maria no monte Tepeyac, começou em todo o antigo território azteca um movimento excepcional de conversões, que se estendeu pela América Centro-Meridional e chegou até o longínquo arquipélago das Filipinas. “A Virgem de Guadalupe continua a ser ainda hoje o grande sinal da proximidade de Cristo, ao convidar todos os homens a entrar em comunhão com Ele para terem acesso ao Pai. Ao mesmo tempo, Maria é a voz que convida os homens à comunhão entre si...”3

A Virgem sempre precedeu os homens na evangelização dos povos. Não se entende o apostolado sem Maria. Por isso, agora que o Papa, Vigário de Cristo na terra, pede aos fiéis que se empenhem em recristianizar o mundo, recorremos a Ela para que “indique à Igreja os melhores caminhos que é preciso percorrer para empreender uma nova evangelização. Imploramos-lhe a graça de servir essa causa sublime com renovado espírito missionário”4. Suplicamos-lhe que nos mostre o modo de aproximarmos os nossos amigos de Deus e que Ela os prepare para receber a graça.

II. “VIRGEM DE GUADALUPE, Mãe das Américas..., vê como é grande a messe, e intercede junto do Senhor para que infunda fome de santidade em todo o Povo de Deus...”5, para que os fiéis “caminhem pelas vias de uma intensa vida cristã, de amor e de humilde serviço a Deus e às almas”6.

Só assim – com uma intensa vida cristã, com amor e desejos de servir – é que poderemos levar a cabo essa nova evangelização em todo o mundo, a começar pelos que estão mais perto. Quanta messe carecida de braços que a recolham! Quanta gente com fome de verdade que não tem quem lha ensine! Quantas pessoas de todo o tipo e condição que desejariam aproximar-se de Deus e não encontram o caminho! Cada um de nós deve ser um indicador claro que aponte, com o exemplo e a palavra, o caminho certo que, por meio de Maria, termina em Cristo.

Partiu da Europa a primeira labareda que ateou a fé no continente americano. Quantos homens e mulheres, de raças tão diversas, encontraram a porta do Céu pela fé heróica e sacrificada daqueles primeiros evangelizadores! A Virgem abriu-lhes o caminho, e eles, apesar das dificuldades – com energia, paciência e sentido sobrenatural –, ensinaram por toda a parte os mistérios mais profundos da fé. “Encontramo-nos agora numa Europa onde se torna cada vez mais forte a tentação do ateísmo e do ceticismo; onde lança raízes uma penosa incerteza moral, com a desagregação da família e a degeneração dos costumes; onde domina um perigoso conflito de idéias e movimentos”7. Desses países que foram profundamente cristãos, alguns dão a impressão de estarem a caminho de voltar ao paganismo, do qual haviam sido tirados muitas vezes com o sangue do martírio e sempre com a ajuda eficaz da Virgem. Toda uma civilização alicerçada sobre idéias cristãs parece encontrar-se sem recursos para reagir. E dessas nações, de onde em outros tempos surgiu a luz da fé para propagar-se pelo mundo, infelizmente “envia-se ao mundo inteiro a cizânia de um novo paganismo”8.

Nós, os cristãos, continuamos a ser fermento no meio do mundo. A levedura não perdeu o seu vigor nestes vinte séculos, porque é sobrenatural e sempre jovem, nova e eficaz. Por isso não ficaremos parados, como se nada pudéssemos fazer ou como se as dimensões do mal pudessem afogar a pequena semente que somos cada um dos que queremos seguir a Cristo. Se os primeiros que levaram a fé a tantos lugares tivessem ficado paralisados ante a ingente tarefa que se lhes apresentava, se somente tivessem confiado nas suas forças humanas, nada teriam levado a cabo. O Senhor anima-nos continuamente a não ficar para trás neste trabalho que se apresenta como algo “sobrenatural e humanamente fascinante”9.

Pensemos hoje, diante de Nossa Senhora de Guadalupe, uma vez mais, o que estamos fazendo ao nosso redor: se aproveitamos todas as ocasiões, sem deixar nenhuma, para falar com valentia aos nossos amigos da fé que trazemos no coração; se tomamos a sério a nossa formação, pois dela depende a formação dos outros; se dedicamos tempo à catequese ou a outras obras boas; se contribuímos economicamente para a manutenção de alguma tarefa que tenha como fim o aperfeiçoamento sobrenatural e humano das pessoas. Não devemos deter-nos ante o pensamento que é pouco o que podemos fazer, no meio de um trabalho profissional absorvente. Deus multiplica esse pouco; e, além disso, muitos poucos mudam um país inteiro.

III. IDE POR TODO O MUNDO e pregai o Evangelho a toda a criatura10. Estas palavras do Senhor são atuais em todas as épocas e em todos os tempos, e não excluem nenhum povo ou civilização, nenhuma pessoa. Os Apóstolos receberam esse mandato de Jesus Cristo, e agora somos nós que o recebemos. Num mundo que freqüentemente se mostra pagão nos seus costumes e modos de pensar, “impõe-se a todos os cristãos o dever luminoso de colaborar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e acolhida por todos os homens em toda a parte”11. Contamos com a assistência sempre eficaz do Senhor: Eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos12.

Deus atua diretamente na alma de cada pessoa por meio da graça, mas é vontade do Senhor, afirmada em muitas passagens do Evangelho, que os homens sejam instrumentos ou veículos de salvação para os outros homens. Ide, pois, às encruzilhadas das ruas, e a quantos encontrardes, convidai-os para as núpcias13. E comenta São João Crisóstomo: “São também caminhos todos os conhecimentos humanos, como os da filosofia, os da milícia, e outros do gênero. Disse, pois: ide à saída de todos os caminhos, para chamar todos os homens à fé, qualquer que seja a sua condição”14.

Os contactos profissionais, as reuniões sociais, uma viagem, são ocasiões que Deus põe ao nosso alcance para darmos a conhecer Jesus Cristo15. “São inúmeras as ocasiões que se abrem aos leigos para exercerem o apostolado da evangelização e santificação”16. Nós, cada um de nós, teríamos que dizer com Santa Teresinha: “Não poderei descansar até o fim do mundo enquanto houver almas que salvar”17. E como podemos descansar se, além disso, essas almas estão no nosso lar, no nosso trabalho, na nossa Faculdade ou na vizinhança?

Temos que pedir à Virgem o desejo vivo e eficaz de sermos almas valentes, audazes, atrevidas à hora de semear o bem, procurando, sem respeitos humanos, que não haja nenhum recanto da sociedade onde não se conheça a Cristo18. É necessário desterrar o pessimismo de pensar que não se pode fazer nada, como se houvesse uma predeterminação para o mal. Com a graça do Senhor, seremos como a pedra caída no lago, que produz uma onda, e esta outra maior19, e não cessa de as produzir até o fim dos tempos. O Senhor dá às nossas palavras e obras uma eficácia sobrenatural que a maior parte das vezes desconhecemos.

Hoje pedimos a Nossa Senhora de Guadalupe que se mostre Mãe compassiva, que nos faça arautos do Evangelho, que saibamos compreender a todos, participando das suas alegrias e esperanças, de tudo aquilo que os inquieta para que, sendo muito humanos, possamos elevar os nossos amigos ao plano sobrenatural da fé. “Rainha dos Apóstolos! Aceita a prontidão com que queremos servir sem reservas a causa do teu Filho, a causa do Evangelho e a causa da paz, fundados na justiça e no amor entre os homens e entre as nações”20.

(1) Nican Mopohua, Relato das aparições, 28-32; (2) ib., 181-183; (3) João Paulo II, Angelus, 13-XII-1987; (4) ib.; (5) cfr. idem, Oração à Virgem de Guadalupe, México, 27-I-1979; (6) ib.; (7) idem, Discurso, 6-XI-1981; (8) A. del Portillo, Carta pastoral, 25-XII-1985; (9) ib.; (10) Mc 16, 1; (11) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 3; (12) Mt 28, 18; (13) Mt 22, 9; (14) São João Crisóstomo, em Catena Aurea, vol. III, pág. 63; (15) cfr. Conc. Vat. II, op. cit., 14; (16) ib., 6; (17) Santa Teresa de Lisieux, Novisima Verba; (18) cfr. Josemaría Escrivá, Forja, n. 716; (19) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 831; (20) João Paulo II, Homilia em Guadalupe, 27-I-1979.

Fonte: http://www.hablarcondios.org

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

TEMA ANO DA FÉ 1: A existência de Deus




Deus existe? É a grande pergunta que cada pessoa se faz. Porque se Deus existe, tudo muda: a vida, o amor, a amizade, a dor... Este texto doutrinal trata desta pergunta fundamental.

1. A dimensão religiosa do ser humano

A dimensão religiosa caracteriza o ser humano desde suas origens. Purificadas da superstição, devidas, em última análise, à ignorância e ao pecado, as expressões da religiosidade humana manifestam a convicção de que existe um Deus criador, do qual dependem o mundo e nossa existência pessoal. Se é verdade que o politeísmo tem acompanhado muitas fases da história humana, também é verdade que a dimensão mais profunda da religiosidade humana e da sabedoria filosófica tem procurado a justificação radical do mundo e da vida humana em um único Deus, fundamento da realidade e cumprimento de nossa aspiração à felicidade (cf. Catecismo, 28)[1].
Apesar de sua diversidade, as expressões artísticas, filosóficas, literárias etc, presentes nas culturas dos povos, possuem em comum a reflexão sobre Deus e sobre os temas centrais da existência humana: a vida e a morte, o bem e o mal, o destino último e o sentido de todas as coisas [2]. Como estas manifestações do espírito humano testemunham ao longo da história, pode-se dizer que a referência a Deus pertence à cultura humana e constitui uma dimensão essencial da sociedade e dos homens. A liberdade religiosa representa, portanto, o primeiro dos direitos, e a busca de Deus, o primeiro dos deveres: todos os homens, “pela sua própria natureza e por obrigação moral estão obrigados a dar sua adesão à verdade, uma vez conhecida”[3]. A negação de Deus e a tentativa de excluí-lo da cultura e da vida social e civil são fenômenos relativamente recentes, limitados a algumas regiões do mundo ocidental. O fato de que as grandes interrogações religiosas e existenciais tenham permanecido invariáveis no tempo[4] desmente a ideia de que a religião esteja circunscrita a uma fase “infantil” da história humana, destinada a desaparecer com o progresso do conhecimento.

O cristianismo assume tudo o que há de bom na investigação e na adoração de Deus, manifestadas historicamente pela religiosidade humana, descobrindo, entretanto, seu verdadeiro significado, o de um caminho rumo ao único e verdadeiro Deus que Se revelou na história da salvação entregue ao povo de Israel e que veio ao nosso encontro, fazendo-Se homem em Jesus Cristo, Verbo Encarnado
[5].

2. Das criaturas materiais até Deus

A inteligência humana pode conhecer a existência de Deus aproximando-se d’Ele por um caminho que tem como ponto de partida o mundo criado e que possui dois itinerários, as criaturas materiais e a pessoa humana. Embora este caminho tenha sido desenvolvido especialmente por autores cristãos, os itinerários que, partindo da natureza e das atividades do espírito humano levam até Deus, têm sido expostos e percorridos por muitos filósofos e pensadores de diversas épocas e culturas.
As vias em direção à existência de Deus também se chamam “provas”, não no sentido que as ciências matemáticas e naturais dão a esse termo, mas como argumentos filosóficos convergentes e convincentes, que o indivíduo compreende com maior ou menor profundidade dependendo de sua formação específica (cf. Catecismo, 31). Que as provas da existência de Deus não podem ser entendidas no mesmo sentido das provas utilizadas pelas ciências experimentais se deduz com clareza do fato de que Deus não é objeto de nosso conhecimento empírico.

Cada via em direção à existência de Deus alcança somente um aspecto concreto ou dimensão da realidade absoluta de Deus, o do específico contexto filosófico no qual a via se desenvolve: “partindo do movimento e da evolução, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se a conhecer a Deus como origem e fim do universo” (Catecismo, 32). A riqueza e a imensidão de Deus são tais que nenhuma dessas vias, por si mesma, pode chegar a uma imagem completa e pessoal de Deus, mas apenas a alguma faceta dela: existência, inteligência, providência etc. Entre as chamadas vias cosmológicas, umas das mais conhecidas são as célebres “cinco vias” elaboradas por São Tomás de Aquino, que contêm em boa medida as reflexões de filósofos anteriores a ele; para sua compreensão, é necessário ter algumas noções de metafísica [6]. As primeiras duas vias propõem a ideia de que as cadeias causais (passagem da potência ao ato, passagem da causa eficiente ao efeito) que observamos na natureza não podem retroceder ao infinito, mas devem apoiar-se em um primeiro motor e sobre uma primeira causa; a terceira via, partindo da observação da contingência e limitação dos entes naturais, deduz que sua causa deve ser um Ente incondicionado e necessário; a quarta, considerando os graus de perfeição participada que se encontram nas coisas, deduz a existência de uma fonte para todas estas perfeições; a quinta via, observando a ordem e o finalismo presentes no mundo, consequência da especificidade e estabilidade de suas leis, deduz a existência de uma inteligência ordenadora que seja também causa final de tudo.

Estes e outros itinerários análogos foram propostos por diversos autores com diversas linguagens e formas distintas, até os nossos dias. Portanto, mantêm sua atualidade, ainda que para compreendê los seja necessário um conhecimento das coisas baseado no realismo (em contraposição a formas de pensamento ideológico), e que não reduzam o conhecimento da realidade somente ao plano empírico experimental (evitando o reducionismo ontológico), de modo que o pensamento humano possa, em suma, subir, dos efeitos visíveis às causas invisíveis (afirmação do pensamento metafísico).

O conhecimento de Deus é também acessível ao sentido comum, isto é, ao pensamento filosófico espontâneo, comum a todo ser humano, como resultado da experiência existencial de cada um: a admiração ante a beleza e a ordem da natureza, a gratidão pelo dom gratuito da vida, o fundamento e a razão do bem e do amor. Este tipo de conhecimento também é importante para captar a que sujeito se referem as provas filosóficas da existência de Deus: São Tomás, por exemplo, termina suas cinco vias unindo-as com a afirmação: “e isto é o que todos chamam Deus”. O testemunho da Sagrada Escritura (cf. Sb 13, 1-9; Rm 1, 18-20; At 17, 22-27) e os ensinamentos do Magistério da Igreja confirmam que o intelecto humano pode chegar ao conhecimento da existência de Deus criador, partindo das criaturas[7] (cf. Catecismo, 36-38). Ao mesmo tempo, quer seja a Escritura, quer seja o Magistério, advertem que o pecado e as más disposições morais podem tornar mais difícil este reconhecimento.

3. O espírito humano é manifestação de Deus

O ser humano reconhece sua singularidade e preeminência sobre o resto da natureza. Ainda que participe de muitos aspectos de sua vida biológica com outras espécies animais, ele se reconhece único em sua fenomenologia: reflete sobre si mesmo, é capaz de progredir cultural e tecnicamente, percebe a moralidade de suas próprias ações, transcende com seu conhecimento e sua vontade, mas, sobretudo, com sua liberdade, o restante do cosmos material[8]. Em conclusão, o ser humano é sujeito de uma vida espiritual que transcende a matéria da qual, entretanto, depende[9]. Desde as origens, a cultura e a religiosidade dos povos têm explicado esta transcendência do ser humano afirmando sua dependência de Deus, de quem a vida humana contém um reflexo. Em sintonia com este sentir comum da razão, a Revelação judaico-cristã ensina que o ser do homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-28).
A pessoa humana está, ela própria, a caminho, rumo a Deus. Existem itinerários que conduzem a Deus partindo da própria experiência existencial: “Com sua abertura à verdade e à beleza, com seu sentido do bem moral, com sua liberdade e a voz de sua consciência, com sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se interroga sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, percebe sinais de sua alma espiritual”(Catecismo, 33).

A presença de uma consciência moral que aprova o bem que fazemos e censura o mal que realizamos ou queríamos realizar, leva a reconhecer um Sumo Bem ao qual estamos chamados a nos conformar, do qual nossa consciência é como que um mensageiro. Partindo da experiência da consciência humana e sem conhecer a Revelação bíblica, vários pensadores desenvolveram, desde a antiguidade, uma reflexão sobre a dimensão ética do agir humano, reflexão da qual é capaz todo homem enquanto criado à imagem de Deus.
Junto à própria consciência, o ser humano reconhece sua liberdade pessoal, como condição do próprio atuar moral. Nesse reconhecer-se livre, a pessoa humana vê em si a correspondente responsabilidade das próprias ações e a existência de Alguém ante o qual é responsável; este Alguém deve ser maior que a natureza material, e não inferior, mas superior, aos nossos semelhantes, também chamados a ser responsáveis como nós próprios. A existência da liberdade e da responsabilidade humanas conduz à existência de um Deus fiador do bem e do mal, Criador, legislador e remunerador.

No contexto cultural atual, nega-se frequentemente a verdade da liberdade humana, reduzindo a pessoa a um animal um pouco mais desenvolvido, mas cujo agir estaria regulado fundamentalmente por impulsos necessários; ou identificam a sede da vida espiritual (mente, consciência, alma) com a corporeidade dos órgãos cerebrais e dos processos neurofisiológicos, negando assim a existência da moralidade do homem. A esta visão pode-se responder com argumentos que demonstram, no âmbito da razão e da fenomenologia humana, a auto-transcendência da pessoa, o livre arbítrio que atua também nas escolhas condicionadas pela natureza, e a impossibilidade de reduzir a mente ao cérebro.
Também na presença do mal e da injustiça no mundo, muitos veem hoje em dia uma prova da nãoexistência
de Deus, pois se existisse, não o permitiria. Na verdade, esta inquietude e esta interrogação são também “vias” para Deus. A pessoa, com efeito, percebe o mal e a injustiça como privações, como situações dolorosas que não eram para existir, que reclamam um bem e uma justiça à que aspira. Pois se a estrutura mais íntima do nosso ser não aspirasse ao bem, não veríamos no mal um dano e uma privação.

No ser humano existe um desejo natural de verdade, de bem e de felicidade, que são manifestações de nossa aspiração natural de ver a Deus. Se tal pretensão ficasse frustrada, a criatura humana seria convertida em um ser existencialmente contraditório, já que estas aspirações constituem o núcleo mais profundo da vida espiritual e da dignidade da pessoa. Sua presença no mais profundo do coração mostra a existência de um Criador que nos chama a Si através da esperança n’Ele. Se as vias “cosmológicas” não garantem a possibilidade de chegar a Deus enquanto ser pessoal, as vias “antropológicas”, que partem do homem e de seus desejos naturais deixam entrever que o Deus do qual reconhecemos nossa dependência deve ser uma pessoa capaz de amar, um ser pessoal, diante de criaturas pessoais. A Sagrada Escritura contém ensinamentos explícitos sobre a existência de uma lei moral inscrita por  Deus no coração do homem (cf. Eclo 15, 11-20; Sl 19; Rm 2, 12-16). A filosofia de inspiração cristã denominou-a “lei moral natural”, acessível aos homens de todas as épocas e culturas, ainda que seu reconhecimento, como no caso da existência de Deus, pode ficar na obscuridade pelo pecado. O Magistério da Igreja tem enfatizado repetidamente a existência da consciência humana e da liberdade como vias para Deus [10].

4. A negação de Deus: as causas do ateísmo

As diversas argumentações filosóficas empregadas para “provar” a existência de Deus não causam necessariamente a fé em Deus, mas apenas asseguram que a fé é razoável. E isto por vários motivos: a) levam o homem a reconhecer alguns atributos filosóficos da imagem de Deus (bondade, inteligência etc.), entre os quais sua própria existência, mas não indicam nada sobre Quem seja o ser pessoal para o qual se dirige o ato de fé; b) a fé é a resposta livre do homem a Deus que Se revela, não uma dedução filosófica necessária; c) o próprio Deus é causa da fé: Ele é quem Se revela gratuitamente e move com sua graça o coração do homem para que dê sua adesão a Ele; d) deve-se considerar a obscuridade e a incerteza com a qual o pecado fere a razão do homem, obstaculizando tanto o reconhecimento da existência de Deus como a resposta de fé a sua Palavra (cf. Catecismo, 37). Por estes motivos, particularmente o último, sempre é possível a negação de Deus por parte do homem[11].

O ateísmo possui uma manifestação teórica (tentativa de negar positivamente a Deus, por via racional) e uma prática (negar a Deus com o próprio comportamento, vivendo como se não existisse). Uma profissão de ateísmo positivo como consequência de uma análise racional de tipo científico, empírico, é contraditória, porque – como já se disse – Deus não é objeto de saber científico-experimental. Uma negação positiva de Deus a partir da racionalidade filosófica é possível por parte de visões específicas apriorísticas da realidade, de caráter quase sempre ideológico, principalmente o materialismo. A incongruência destas visões pode pôr-se de manifesto com a ajuda da metafísica e da gnosiologia realista.

Uma causa difundida de ateísmo positivo consiste em considerar que a afirmação de Deus supõe uma penalização para o homem: se Deus existisse, então não seríamos livres, nem gozaríamos de plena autonomia na existência terrena. Este enfoque ignora que a dependência da criatura em relação a Deus fundamenta a liberdade e a autonomia da criatura[12]. O contrário, sim, é que é verdadeiro: como ensina a história dos povos e nossa recente época cultural, quando se nega a Deus, termina-se negando também o homem e sua dignidade transcendente. Outros chegam à negação de Deus considerando que a religião, particularmente o cristianismo, representa um obstáculo ao progresso humano, pois é fruto da ignorância e da superstição. A esta objeção pode-se responder a partir de bases históricas: é possível mostrar a influência positiva da Revelação cristã sobre a concepção da pessoa humana e seus direitos, ou até sobre a origem e o progresso das ciências. Por parte da Igreja Católica, a ignorância foi sempre considerada, e com
razão, um obstáculo no caminho da verdadeira fé. Em geral, aqueles que negam a Deus para afirmar o aperfeiçoamento e o avanço do homem, fazem-no para defender uma visão imanente do progresso histórico, que tem como fim a utopia política ou um bem-estar puramente material, que são incapazes de satisfazer plenamente as expectativas do coração humano. Entre as causas do ateísmo, especialmente do ateísmo prático, deve incluir-se também o mau exemplo dos crentes, “na medida em que, com o descuido da educação religiosa, ou com a exposição inadequada da doutrina, ou inclusive com os defeitos de sua vida religiosa, moral e social, velaram, em vez de revelar o genuíno rosto de Deus e da religião”[13]. De modo positivo, a partir do Concílio Vaticano II, a Igreja sempre apontou o testemunho dos cristãos como o principal fator para realizar uma necessária “nova evangelização”[14].

5. O agnosticismo e a indiferença religiosa

O agnosticismo, difundido especialmente nos ambientes intelectuais, sustenta que a razão humana não pode concluir nada sobre Deus e sua existência. Com frequência seus defensores se propõem um empenho de vida pessoal e social, mas sem qualquer referência a um fim último, procurando assim viver um humanismo sem Deus. A posição agnóstica termina com frequência identificando-se com o ateísmo prático. Quanto ao mais, quem pretendesse orientar os fins parciais do próprio viver cotidiano sem nenhum tipo de compromisso com a tendência natural ao fim último dos próprios atos, na realidade deveria dizer que no fundo já escolheu um fim, de caráter imanente para a própria vida. A posição agnóstica merece, de qualquer modo, respeito, se bem que seus defensores devem ser estimulados a demonstrar a retidão de sua não-negação de Deus, mantendo uma abertura à possibilidade de reconhecer sua existência e revelação na história.

A indiferença religiosa – também chamada “irreligiosidade” – representa hoje a principal manifestação de incredulidade, e como tal, vem recebendo crescente atenção por parte do Magistério da Igreja [15].O tema de Deus não se leva a sério, ou não se leva em consideração, em absoluto, porque é sufocado na prática por uma vida orientada para os bens materiais. A indiferença religiosa coexiste com certa simpatia pelo sagrado, e talvez pelo pseudo-religioso, apreciados de um modo moralmente descuidado, como se fossem bens de consumo. Para manter por um bom tempo uma posição de indiferença religiosa, o ser humano necessita de contínuas distrações e desse modo não precisa deter-se em problemas existenciais mais importantes, separando-se tanto da vida cotidiana como da própria consciência: o sentido da vida e da morte, o valor moral das próprias ações etc. Mas, como na vida de uma pessoa há sempre acontecimentos que “fazem a diferença” (o apaixonar-se, paternidade e maternidade, mortes prematuras, dores e alegrias etc.), a posição de “indiferentismo” religioso não pode ser mantida ao longo de toda a vida, porque sobre
Deus não se pode evitar o interrogar-se, ao menos alguma vez na vida. A partir de tais acontecimentos existencialmente significativos, é preciso ajudar o indiferente a abrir-se com seriedade para a busca e afirmação de Deus.

6. O pluralismo religioso: há um único e verdadeiro Deus, que Se revelou em Jesus Cristo

A religiosidade humana – que quando é autêntica, é caminho em direção ao reconhecimento do único Deus – tem-se expressado e se manifesta na história e na cultura dos povos, em formas diversas e às vezes também no culto a diferentes imagens ou ideias da divindade. As religiões da terra que manifestam a busca sincera de Deus e respeitam a dignidade transcendente do homem devem ser respeitadas: a Igreja Católica considera que nelas está presente uma faísca, quase uma participação da Verdade divina[16]. Ao se aproximar das diversas religiões da terra, a razão humana sugere um oportuno discernimento: reconhecer a presença de superstição e de ignorância, de formas de irracionalidade, de práticas que não estão de acordo com a dignidade e a liberdade da pessoa humana.

O diálogo inter-religioso não se opõe à missão e à evangelização. Mais ainda, respeitando a liberdade de cada um, a finalidade do diálogo há de ser sempre o anúncio de Cristo. As sementes de verdade que as religiões não cristãs podem conter, são, de fato, sementes da Única Verdade que é Cristo. Portanto, essas religiões não cristãs têm o direito de receber a revelação e serem conduzidas à maturidade mediante o anúncio de Cristo, caminho, verdade e vida. Entretanto, Deus não nega a salvação àqueles que, ignorando sem culpa o anúncio do Evangelho, vivem segundo a lei moral natural, reconhecendo seu fundamento no único e verdadeiro Deus[17]. No diálogo inter-religioso, o cristianismo pode proceder mostrando que as religiões da terra, enquanto expressões autênticas do vínculo com o verdadeiro e único Deus, alcançam no cristianismo seu cumprimento. Somente em Cristo, Deus revela o homem ao próprio homem, oferece a solução de seus enigmas e lhe descobre o sentido profundo de suas aspirações. Ele é o único mediador entre Deus e os homens[18].

O cristão pode manter um diálogo inter-religioso com otimismo e esperança, uma vez que sabe que todo ser humano foi criado à imagem do único e verdadeiro Deus e que cada um, se sabe refletir no silêncio de seu coração, pode escutar o testemunho da própria consciência, que também conduz ao único Deus, revelado em Jesus Cristo. “Para isto nasci e para isto vim ao mundo – afirma Jesus diante de Pilatos -, para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37). Neste sentido, o cristão pode falar de Deus sem risco de intolerância, porque o Deus que ele exorta a reconhecer na natureza e na consciência de cada um, aquele Deus que criou o céu e a terra, é o mesmo da história da salvação, que foi revelada ao povo de Israel e Se fez homem em Cristo. Este foi o itinerário seguido pelos primeiros cristãos: repeliram a ideia de se adorar a Cristo como um a mais entre os deuses do Pantheon romano, porque estavam convencidos da existência de um único e verdadeiro Deus; e se empenharam ao mesmo tempo em mostrar que o Deus vislumbrado pelos filósofos como causa, razão e fundamento do mundo, era e é o mesmo Deus de Jesus Cristo [19].

Giuseppe Tanzella-Nitti

Bibliografia básica
Catecismo da Igreja Católica, 27-49.
Concilio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 4-22.
João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 14-09-1998, 16-35.
Bento XVI, Enc. Spe salvi, 30-11-2007, 4-12.
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[1] Cf. João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 14-09-1998, 1.
[2] “Para além de todas as diferenças que caracterizam os indivíduos e os povos, há uma dimensão fundamental comum, já que as várias culturas não são, na realidade, mais que modos diversos de abordar a questão do significado da existência pessoal. Precisamente aqui podemos identificar uma fonte do respeito que é devido a cada cultura e a cada nação: toda cultura é um esforço de reflexão sobre o mistério do mundo, e em particular do homem: é um modo de expressar a dimensão transcendente da vida humana. O coração de cada cultura é constituído pela proximidade do maior dos mistérios: o mistério de Deus”, João Paulo II, Discurso na O.N.U., New York, 5-10-1995,
«Magistério», XVIII,2 (1995) 730-744, n. 9.
[3] Concílio Vaticano II, Decl. Dignitatis humanae, 2.
[4] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 10.
[5] Cf. João Paulo II, Carta Ap. Tertio millennio adveniente, 10-11-1994, 6; Enc. Fides et ratio, 2.
[6] Cf. S. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 2, a. 3; Contra gentiles, I, c. 13. Para uma
exposição detalhada remete-se o leitor a estas duas referências de São Tomás e a algum manual
de Metafísica ou Teologia Natural.
[7] Cf. Concílio Vaticano I, Const. Dei Filius, 24-IV-1870, DH 3004; Motu Proprio Sacrorum
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Antistitum, 1-09-1910, DH 3538; Congregação para a Doutrina da Fe, Inst. Donum veritatis, 24-5-
1990, 10; Enc. Fides et ratio, 67.
[8] “Com agradecimento, porque percebemos a felicidade a que estamos chamados, aprendemos que todas as criaturas foram tiradas do nada por Deus e para Deus: as racionais, os homens, ainda que com tanta frequência percamos a razão; e as irracionais, as que perambulam pela superfície da terra, ou habitam nas entranhas do mundo, ou cruzam o azul do céu, algumas até olhar fixamente para o sol. Porém, em meio a esta maravilhosa variedade, somente nós, os homens – não me refiro aos anjos – nos unimos ao Criador pelo exercício de nossa liberdade: podemos render ou negar ao Senhor a glória que lhe corresponde como Autor de tudo o que existe”, São Josemaria, Amigos de Deus, 24.
[9] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 18.
[10] Cf. Ibidem, 17-18. Em particular, a doutrina sobre a consciência moral e a responsabilidade
ligada à liberdade humana no quadro da explicação da pessoa humana como imagem de Deus, foi
extensamente elaborada por João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 6-8-1993, 54-64.
[11] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 19-21.
[12] Cf. Ibidem, 36.
[13] Ibidem, 19.
[14] Cf. Ibidem, 21; Paulo VI, Enc. Evangelii nuntiandi, 8-12-1975, 21; João Paulo II, Enc. Veritatis
splendor, 93; João Paulo II, Carta Ap. Novo millennio ineunte, 6-01-2001, cap. III e IV.
[15] Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Christifideles laici, 30-12-1988, 34; Enc. Fides et ratio, 5.
[16] Cf. Concílio Vaticano II, Decl. Nostra Aetate, 2.
[17] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Lumen gentium, 16.
[18] Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 7-12-1990, 5; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus, 6-08-2000, 5;13-15.
[19] Cf. João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 34; Bento XVI, Enc. Spe salvi, 30-11-2007, 5.
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Fonte: www.opusdei.org.br

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Meditação: Do pecado mortal





Sto Afonso Maria de Ligório

Considera como, sendo tu criado por Deus para amar, com ingratidão infernal te rebelastes contra ele, trataste-o como inimigo, desprezastes a sua graça e a sua amizade. Sabias que lhe davas um grande desgosto com a aquele pecado, e ainda assim o cometestes. Quem peca, que faz? Volta as costas a Deus, perde-lhe o respeito, levanta a mão para dar-lhe uma bofetada, aflige o coração de Deus: Et afflixerunt Spiritum Sanctum eius. Quem peca diz a Deus com suas obras: afasta-te de mim, não quero obedecer, não quero servir-te, não quero reconhecer-te por meu Senhor, não quero ter-te por meu Deus: o meu deus é este prazer, este interesse, esta vingança.

Assim o disssestes no teu coração, quando preferistes a criatura ao teu Deus. Santa Maria Madalena Pazzi não podia compreender como um cristão, a olhos abertos, pudesse cometer um pecado mortal. E tu, que nisto meditas, que dizes…? Quantos pecados, tens tu cometido…? Meu Deus perdoai-me, tende piedade de mim. Ofendi-vos, Bondade Infinita: agora odeio os meus pecados, amo-vos, e arrependo-me de vos ter ofendido tanto, ó meu Deus, que sois digno de infinito amor.

Considera como Deus te dizia, quando pecavas: Filho, eu sou o Deus que te criei do nada e que te resgatei com o meu sangue; proíbo-te de cometeres este pecado sob pena de te separares da minha graça. Porém tu, pecando, dissestes a Deus, Senhor quero satisfazer este gosto e não me importa desagradar-vos e perder a vossa graça. Dixisti: non serviam. Ah, meu Deus, e eu tenho feito isto tantas vezes! Como me tendes suportado? Quem me dera ter antes morrido do que vos ter ofendido! Eu não quero mais desgostar-vos; quero amar-vos, ó Bondade infinita. Concedei-me o dom da perseverança e vosso santo amor.

Considera como Deus, segundo os seus imperscrutáveis decretos, não costuma suportar em todos um igual número de pecados, nas a uns tolera mais, a outros menos, e quando está cheia aquela medida, lança mão de terribilíssimos castigos. E, com efeito, tantas vezes sucede vir a morte tão improvisamente, que o pecador não tem tempo de se preparar! Quantos morrem na própria ocasião de pecado! Quantas vezes uma pessoa se deitou no leito com boa saúde, e de manhã apareceu um frio cadáver! Quantos outros, à força de cometerem pecados sobre pecados, de tal modo se cegaram e endureceram, que, tendo todos os meios para se prepararem para uma boa morte, não querem se aproveitar deles, e morrem impenitentes! Enquanto o pecador vive, pode, se o quer deveras, converter-se com o divino auxílio; porém muitas vezes os pecados o tornam tão obstinados, que não desperta nem sequer na hora da morte. E assim se têm perdido tantos… E estes também esperavam que Deus lhes perdoasse, mas veio a morte, e condenaram-se… Teme que te aconteça o mesmo. Não merece misericórdia aquele que quer servir-se da bondade de Deus para ofendê-lo. Depois de tantos e tão graves pecados que Deus te perdoou, deves ter bem fundado temor de que te não perdoe qualquer outro pecado mortal que cometas.

Dá-lhe graças de te ter esperado até agora, e toma neste ponto uma resolução de antes morrer do que cometer outro pecado. De hoje em diante repetirás sempre: Senhor, bastam as ofensas que tenho cometido até agora. A vida que me resta não quero passá-la a ofender-vos; não, que vós não o mereceis; quero passá-la só a amar-vos e a chorar as ofensas que tenho feito. Arrependo-me de todo o meu coração. Meu Jesus, quero amar-vos, daí-me força; Maria, minha Mãe, ajudai-me.

Fruto:

Medita sobre estas palavras: sempre, nunca, eternidade.

O inferno dura sempre, a eternidade não acaba nunca. Toma um punhado de cinzas ou de areia lá contigo: Quando tiveres passado tantos milhões de séculos quantos são estes pequeninos grãos, não terá passado da eternidade um só momento. Quando puderes, considera, que grande mal seria este ou aquele trabalho, se não acabasse nunca, e não há dúvida que as penas do inferno nunca acabarão. Considera bem isto.

Fonte: http://www.deuslovult.org via http://anjosdeadoracao.blogspot.com.br/

domingo, 25 de novembro de 2012

Festa de Cristo Rei




A Festa de Cristo Rei é uma das festas mais importantes no calendário litúrgico, nela celebramos aquele Cristo que é o Rei do universo. O seu Reino é o Reino da verdade e da vida, da santidade e da graça, da justiça, do amor e da paz.

Esta festa foi estabelecida pelo Papa Pio XI em 11 de março 1925. O Papa quis motivar os católicos para reconhecer em público que o líder da Igreja é Cristo Rei. Mais tarde a data da celebração foi mudada dando um novo senso.

O ano litúrgico termina com esta que salienta a importância de Cristo como centro da história universal. É o alfa e o omega, o princípio e o fimCristo reina nas pessoas com a mensagem de amor, justiça e serviço. O Reino de Cristo é eterno e universal, quer dizer, para sempre e para todos os homens.

Esta festa tem um sentido escatológico na qual nós celebramos Cristo como Rei de todo o universo. Nós sabemos que o Reino de Cristo já começou a partir de sua vinda na terra a quase dois mil anos, porém Cristo não reinará definitivamente em todos os homens até que volte ao mundo com toda a sua glória no final dos tempos. Jesus nos antecipou sobre esse grande dia, em Mateus 25, 31-46.
Na festa de Rei de Cristo celebramos que Cristo pode começar a reinar em nossos corações no momento em que nós permitimos isto a ele, e o Reino de Deus pode deste modo fazer-se presente em nossa vida. Desta forma estabelecemos o Reino de Cristo de agora em diante em nós mesmos e em nossas casas, emprego e vida.

Jesus nos fala das características do seu Reino por várias parábolas no capítulo 13 de Mateus: 
 

"O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando dele, semeou no seu campo".

"O qual é realmente a mais pequena de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos".

"O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado".

"Também o reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo que um homem achou e escondeu; e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo".

Nestas parábolas Jesus nos faz ver claramente que vale a pena procurar e viver o Reino de Deus, isto vale mais do que todos os tesouros da terra e que o crescimento dele será discreto, sem ninguém perceber, mas efetivo.

A Igreja tem a responsabilidade de orar e aumentar o reinado de Jesus Cristo entre os homens. O aumento do Reino de Deus deve ser o centro de nossa vida como membros da Igreja. Fazer com que Jesus Cristo reine no coração dos homens, no peito das casas, nas comunidades e nas cidades.

Com isto nós poderemos chegar a um mundo novo no qual reinará o amor, a paz e a justiça e a salvação eterna de todos os homens.

Para que Jesus reine em nossa vida, devemos em primeiro lugar conhecer Cristo. A leitura e reflexão do Evangelho, a oração pessoal e os sacramentos são os meios para conhece-Lo e as graças recebidas vão abrindo os nossos corações a seu amor. Trata-se de conhecer Cristo de uma maneira experimental e não só teleológica.

Oremos com profundidade escutando o Cristo que nos fala. Ao conhecer Cristo expressaremos o amor de maneira espontânea, por que Ele é bondade.

O amor a Cristo nos levará quase sem perceber a pensar como Cristo, querer como Cristo e sentir como Cristo, vivendo uma vida de verdadeira caridade e Cristandade autentica. Quando imitarmos Cristo conhecendo-o e amando-o, então podemos experimentar seu Reino.

O compromisso apostólico consiste em levar nosso amor para a ação de estender o Reino de Cristo a todas as almas por meio de trabalhos concretos de apostolado. Nós não podemos parar. Nosso amor aumentará.

Dedicar a nossa vida a expandir o Reino de Cristo na terra é o melhor que podemos fazer, pois Cristo nos recompensará com alegria e uma paz profunda e imperturbável em todas as circunstancias da vida.

Ao longo da história existem inumeráveis testemunhos de cristãos que deram a vida por Cristo como o Rei de suas vida


Fonte: http://www.coracaodemaria.org.br

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O que é fé?




Queridos irmãos e irmãs,
Na quarta-feira passada, com o início do Ano da fé, dei início a uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de meditar convosco sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda tem sentido a fé, num mundo em que ciência e técnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? Com efeito, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua sem dúvida um conhecimento das suas verdades e dos acontecimentos da salvação, mas sobretudo que nasça de um encontro verdadeiro com Deus em Jesus Cristo, do amá-lo, do ter confiança nele, de modo que a vida inteira seja envolvida por Ele.
Hoje, juntamente com tantos sinais de bem, aumenta ao nosso redor um certo deserto espiritual. Às vezes tem-se como que a sensação, a partir de certos acontecimentos dos quais recebemos notícias todos os dias, que o mundo não caminha rumo à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as próprias ideias de progresso e de bem-estar mostram também as suas sombras. Não obstante a grandeza das descobertas da ciência e dos êxitos da técnica, hoje o homem não parece ter-se tornado verdadeiramente mais livre, mais humano; subsistem muitas formas de exploração, de manipulação, de violência, de prepotência, de injustiça... Além disso, um certo tipo de cultura educou a mover-se só no horizonte das coisas, do realizável, a acreditar unicamente naquilo que se vê e se toca com as próprias mãos. Mas por outro lado, aumenta também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão apenas horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto sobressaem algumas interrogações fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Para que rumo orientar as opções da nossa liberdade, para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?
Destas interrogações insuprimíveis sobressai que o mundo da planificação, do cálculo exacto e da experimentação, em síntese o saber da ciência, embora seja importante para a vida do homem, sozinho não é suficiente. Temos necessidade não só do pão material, mas precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um sentido autêntico também na crise, nas obscuridades, nas dificuldades e nos problemas quotidianos. A fé oferece-nos precisamente isto: é um entregar-se confiante a um «Tu», que é Deus, o qual me confere uma certeza diversa, mas não menos sólida do que aquela que me deriva do cálculo exacto ou da ciência. A fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um «Tu» que me dá esperança e confiança. Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós. Aliás, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é incomensurável: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que se fez homem, mostra-nos do modo mais luminoso até que ponto chega este amor, até ao dom de si mesmo, até ao sacrifício total. Com o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até ao fundo na nossa humanidade, para lha restituir, para a elevar à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, perante o mal e a morte, mas é capaz de transformar todas as formas de escravidão, oferecendo a possibilidade da salvação. Então, ter fé é encontrar este «Tu», Deus, que me sustém e me faz a promessa de um amor indestrutível, que não só aspira à eternidade, mas também a concede; é confiar-me a Deus com a atitude da criança, a qual sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão salvaguardados no «tu» da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Penso que deveríamos meditar mais frequentemente — na nossa vida quotidiana, caracterizada por problemas e situações por vezes dramáticas — sobre o facto de que crer cristãmente significa este abandonar-se com confiança ao sentido profundo que me sustém, a mim e ao mundo, àquele sentido que não somos capazes de nos darmos a nós mesmos, mas só de receber como dádiva, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem temor. Temos que ser capazes de anunciar com a palavra e de mostrar com a nossa vida cristã esta certeza libertadora e tranquilizadora da fé.
Contudo, ao nosso redor vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes, ou rejeitam aceitar este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado, que diz: «Quem crer e for baptizado será salvo, mas quem não crer será condenado» (Mc 16, 16), perder-se-á a si mesmo. Gostaria de vos convidar a meditar sobre isto. A confiança na acção do Espírito Santo deve impelir-nos sempre a ir e anunciar o Evangelho, ao testemunho corajoso da fé; mas para além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé há inclusive o risco da rejeição do Evangelho, do não-acolhimento do encontro vital com Cristo. Já santo Agostinho apresentava este problema num seu comentário à parábola do semeador: «Nós falamos — dizia — lançamos a semente, espalhamos a semente. Há aqueles que desprezam, aqueles que repreendem, aqueles que zombam. Se os tememos, não teremos mais nada para semear, e no dia da ceifa permaneceremos sem colheita. Por isso, venha a semente da terra boa» (Discursos sobre a disciplina cristã, 13, 14: pl 40, 677-678). Portanto, a rejeição não nos pode desencorajar. Como cristãos, somos testemunhas deste terreno fértil: apesar dos nossos limites, a nossa fé demonstra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de uma nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, que existe a semente boa, e dá fruto.
Mas perguntemo-nos: de onde haure o homem aquela abertura do coração e da mente, para acreditar no Deus que se tornou visível em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de tal modo que Ele e o seu Evangelho sejam guia e luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus, porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. Então, a fé é antes de tudo uma dádiva sobrenatural, um dom de Deus. O Concílio Vaticano II afirma: «Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá “a todos a suavidade em aceitar e crer na verdade”» (Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé está o Baptismo, o sacramento que nos confere o Espírito Santo, tornando-nos filhos de Deus em Cristo, e marca a entrada na comunidade da fé, na Igreja: não cremos por nós mesmos, sem a prevenção da graça do Espírito; e não cremos sozinhos, mas juntamente com os irmãos. Do Baptismo em diante, cada crente é chamado a reviver e fazer sua esta profissão de fé, com os irmãos.
A fé é dom de Deus, mas é também acto profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica afirma-o claramente: «O acto de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um acto autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem» (n. 154). Aliás, envolve-as e exalta-as, numa aposta de vida que é como que um êxodo, ou seja um sair de nós mesmos, das nossas seguranças, dos nossos esquemas mentais, para nos confiarmos à acção de Deus que nos indica o seu caminho para alcançar a liberdade verdadeira, a nossa identidade humana, a alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar-se com toda a liberdade e com alegria ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. Então, a fé é um assentimento com que a nossa mente e o nosso coração dizem o seu «sim» a Deus, professando que Jesus é o Senhor. E este «sim» transforma a vida, abre-lhe o caminho rumo a uma plenitude de significado, tornando-a assim nova, rica de júbilo e de esperança confiável.
Caros amigos, o nosso tempo exige cristãos que tenham sido arrebatados por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e com os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustém no caminho e nos abre para a vida que nunca mais terá fim. Obrigado!

Fonte: http://www.vatican.va/phome_po.htm