sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Igreja Católica e Conversão


Por Dale Ahlquist

Tradução: Pedro Erik Carneiro

Tradução do original The Catholic Church and Conversion [Lecture 49], disponível no site Chesterton.org

Pode ser surpresa para alguns saber que Chesterton foi criado como Unitário. A descoberta da “ortodoxia” Cristã (como descrito no seu livro “Ortodoxia”) o levou para ser adepto da Igreja Anglicana em 1901, mais tarde ele diria que isso foi apenas sua conversão incompleta ao Catolicismo. Antes de se tornar Católico, Chesterton reconheceu o fato de que ele estava conduzindo muitas pessoas para a Igreja Católica sem que ele mesmo tivesse ingressado. Mas ele continuava conduzindo-as. Apenas em 1922, com a idade de 48 anos, Chesterton foi recebido dentro da Igreja Católica Romana. Isto foi um choque para muitos. Muitos observadores ficaram surpresos pois achavam que ele já era Católico, uma vez que tinha defendido a Igreja durante muitos anos. Mas muitos outros que o conheciam mais de perto, amigos e oponentes, achavam que isso nunca iria acontecer. George Bernard Shaw atirou uma carta dizendo: “Gilbert, isto foi longe demais”.

Cinco anos depois de fazer parte da Igreja, Chesterton escreveu The Catholic Church and Conversion (A Igreja Católica e Conversão). Ele disse que embora todos os caminhos levem a Roma, cada peregrino é tentado a dizer que todos os caminhos são como o dele. “A Igreja é uma casa com cem portas; e dois homens não entram exatamente pelo mesmo ângulo.” Mas ele não precisava ter se preocupado em fazer uma declaração tão pessoal. Quase todo convertido reconhecerá os três estágios para conversão que Chesterton descreve: O primeiro estágio é Dedicar Atenção à Igreja. O segundo é Descobrir a Igreja. E o terceiro é…Fugir da Igreja.

O convertido entra no primeiro estágio quase sem perceber quando ele decide ser justo com a Igreja Católica. Ele não pensa que a religião de Roma é verdadeira, mas, pela primeira vez, ele também não acha que as acusações contra a Igreja sejam verdadeiras. Este é um passo importante que o leva para o longo e agradável segundo estágio, no qual é completamente fascinante aprender o que a Igreja Católica realmente ensina. Chesterton disse que esta é a parte mais agradável da trajetória, “mais fácil que entrar na Igreja e muito mais fácil que tentar viver uma vida Católica. É como descobrir um novo continente cheio de flores estranhas e animais fantásticos, mundo selvagem, mas hospitaleiro.” Mas então a partir daí o convertido de repente, em estado de choque, se dá conta que ele não pode ficar mais imparcial em relação à Igreja Católica.

É impossível ser justo com a Igreja Católica. No momento em que o homem cessa de atacá-la, ele sente uma atração em direção a ela. No momento em que ele cessa de gritar, ele começa a ouvi-la com prazer. No momento em que ele tenta ser justo ele começa a admirá-la.

Mas então chega o estágio final: medo. “Uma coisa”, diz Chesterton, “é concluir que o Catolicismo é bom e outra é concluir que é o certo. Uma coisa é concluir que é certo, outra é concluir que é sempre certo”. Neste estágio delicado, Chesterton observa que não são mais os inimigos da Igreja que não permitem a entrada do convertido, mas “apenas a palavra de um Católico pode mantê-lo fora do Catolicismo. Uma palavra estúpida de um membro da Igreja faz mais estrago que cem palavras estúpidas de pessoas de fora da Igreja.” Ele aponta para um problema que ainda assola a Igreja: Católicos que não apenas fazem um péssimo trabalho em apresentar a fé Católica, mas também afastam pessoas que estão querendo entrar na Igreja.

Todo Católico deveria ler este livro de Chesterton. Pois além de ficar mais preparado para lidar com convertidos, eles apreciarão fortemente a fé na qual eles desejam entrar. Especialmente a percepção que a Igreja, como disse Chesterton, “é maior de dentro que ela é de fora.”

Toda era tenta criar uma nova religião, algo que se adapte melhor com o momento, mas novas religiões são apenas adaptadas para aquilo que é novo. E o que é novo fica velho logo. Chesterton argumenta que a Igreja Católica tem todo o frescor de uma nova religião, mas ela é também rica como uma religião velha. É uma religião que amarra os homens a moralidade mesmo quando eles não estão com vontade de usar a moral. A Igreja algumas vezes tem de ir na contramão do mundo. Ela pregou reconciliação social para facções raivosas e agressivas que preferiam destruir uns às outras. Ela pregou caridade para velhos pagãos que não acreditam nisto, assim como ela prega hoje castidade para novos pagãos que não acreditam nisto.

Nós não precisamos de uma religião que está certa quando nós estamos certos. O que nós precisamos é de uma religião que está certa quando nós estamos errados.

Chesterton já tinha provado que era um defensor da tradição contra modismos, mas ele deixou claro para céticos e detratores que uma das razões para se tornar Católico era que a Igreja Católica “é a única coisa que salva um homem da escravidão degradante de ser uma criança na idade dele.” Ele descobriu que tudo o mais era mais estreito e mais restritivo. Na Igreja, ele viu liberdade. Liberdade alucinante, ele disse. Se isto não é surpresa o bastante, deve ser sóbrio se não estonteante para qualquer leitor honesto de Chesterton considerar que este gigante intelectual encontrou um lar para sua mente na Igreja Católica. Não é um lar meramente para descansar, mas um lugar de grande excitação e atividade. Isto está revelado em um das frases mais desafiadoras que Chesterton já disse: “Se tornar um Católico não é deixar de pensar, mas aprender a pensar.”


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Condições da oração: III – Detestar o pecado



Por: Francisco Faus 

«Orar é falar com Deus», é um diálogo com Deus. É uma verdade básica que procuramos lembrar nas nossas meditações. Mas, para a oração ser um bom diálogo com Deus – já o sabemos -, tem que ser uma conversa de amor, cheia de sinceridade e confiança. Na realidade, toda a oração cristã deveria ser sempre uma procura muito sincera do Amor de Deus, uma “troca de amor” entre Ele e nós.
Já comentamos que, justamente por isso, uma condição da oração dos filhos de Deus é a “sinceridade” (ver “Condições da oração: II – Sinceridade”): abrimo-nos com Deus, e – como diz São Josemaria – procuramos contar-lhe «confiadamente tudo o que nos palpita na cabeça e no coração: alegrias, tristezas, esperanças, dissabores…».
Ora – pense bem nisso – como é possível “contar-lhe coisas de amor”, se não nos importamos com aquilo que, na nossa vida, ofende a Deus, nem que seja de leve? Seria como dizer-lhe com a boca: «Senhor, eu te amo muito» e, ao mesmo tempo, continuar friamente a espetar-lhe os pregos e a coroa de espinhos das nossas faltas e pecados.
Quanta razão não tem São Josemaria Escrivá quando diz que, para fazer a oração dos filhos de Deus, «temos que esforçar-nos para que não haja em nós a menor sombra de duplicidade. O primeiro requisito para desterrar este mal, que o Senhor condena duramente [ver Mt 7,21-23], é procurar comportar-nos com a disposição clara, habitual e atual, de aversão ao pecado. Energicamente, com sinceridade, devemos sentir, no coração e na cabeça, horror ao pecado grave. E, numa atitude profundamente arraigada, temos que detestar também o pecado venial deliberado, essas claudicações que, embora não nos privem da graça divina, debilitam os canais por onde ela nos chega».
Todos nós temos um monte de pecados veniais (é só deles que vamos falar nesta meditação), que já aderiram à nossa alma como musgo, como bolor, como plantas parasitas que roubam a “seiva” da alma, a enfraquecem e, sobretudo, ferem nela o amor a Deus. Temos…, mas ficamos sem fazer nada ou quase nada para vencê-los.
Pecados veniais? A lista seria interminável. Bastem uns poucos exemplos corriqueiros: irritações e impaciências em casa e no trabalho, que se repetem de modo habitual; palavras e olhares que magoam; muitas concessões à preguiça, que nos levam a fazer mal o trabalho, a adiar os deveres que custam, a dedicar menos tempo que o devido a Deus e às pessoas; caprichos da gula que não se justificam; curiosidade mórbida, que nos põe em perigo de faltar à castidade, etc.
Tentamos justificar-nos dizendo que “ninguém é perfeito”, o que é uma grande verdade, mas é uma verdade que interpretamos mal, pois confundimos as fraquezas e limitações inevitáveis (que sempre existirão, até nos santos), com as faltas que são evitáveis e que deveriam ser evitadas, verdadeiros “pecados” veniais que, se quiséssemos e pedíssemos ajuda a Deus, poderíamos evitar.
Jesus nos lembra repetidas vezes que o primeiro mandamento é «amar a Deus com todo o coração, com toda alma, com toda a mente e com todas as forças» (Mc 12,30), e por isso, no livro do Apocalipse, revela a São João a “mágoa” que lhe produzem os cristãos que se conformam com um amor medíocre, morno, contaminado pelo pecado venial consentido: «Tenho contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor… Não achei as tuas obras perfeitas diante de meu Deus» (Apoc 2,4 e 3,2).
Convençamo-nos de que «os pecados veniais fazem muito mal à alma» (Caminho, n. 329). Não nos esqueçamos nunca de que não é compatível falar carinhosamente com Deus, enquanto “guardamos” tranquilamente, sem reagir, dentro da alma, hábitos e pecados veniais que são “parentes” daqueles cuspes, tapas, chicotadas e espinhos que caíram sobre Cristo na Paixão, quando sofria pelos nossos pecados (ver 1 Cor 15,3).
Então, o que devemos fazer? Dizer a Deus, sim, “eu te amo”, mas colocar ao mesmo tempo toda a força do nosso amor – robustecido pela graça de Deus – numa luta diária séria por vencer esses hábitos e pecados.
Meios para isso? Vários deles iremos comentá-los em outras ocasiões. Mas, para já, podemos enunciar os principais: confissão frequente, com verdadeira dor dos pecados e com o desejo de nos corrigirmos e reparar; exame de consciência todas as noites; pedir ao confessor conselhos e leituras que nos orientem nas nossas lutas concretas, e sermos mais mortificados (este será o próximo tema destas nossas reflexões).
Talvez você pergunte: -Empregando esses meios, será fácil vencer o pecado venial? – Será possível, ainda que não fácil, sobretudo se esses pecados são hábitos que já têm raízes fortes. Mas será possível mesmo, porque Deus está conosco e quer “lutar conosco”, como dizia Pascal. Pede-nos, porém, a humildade de não desanimar e sempre recomeçar a luta, mesmo que tornemos a cair nas mesmas faltas por fraqueza (o desânimo, aí, seria orgulho, vaidade de querer ver-nos logo perfeitos); pede-nos reforçar a oração e freqüentar mais a comunhão para obtermos mais graça, e, especialmente, pede-nos levantar-nos logo das quedas.
Por ser muito animador, quero terminar citando um trecho do livro Caminho: «Sei que te portaste bem…, apesar de teres caído tão fundo. – Sei que te portaste bem, porque te humilhaste, porque retificaste, porque te encheste de esperança e a esperança te trouxe de novo ao Amor. – Não faças essa cara boba de surpresa; de fato, te portaste bem! Já te levantaste do chão … Agora, ao trabalho!» (n. 264).


Acesse os textos anteriores: 





quarta-feira, 17 de abril de 2013

Condições da oração: II- Sinceridade




Por Padre Francisco Faus

Em outra reflexão (“Condições da oração: I – Recolhimento”), meditávamos sobre a necessidade de conseguirmos condições favoráveis, externas e internas, para poder fazer uma boa oração.
Já vimos como é imprescindível o recolhimento exterior (local e ambiente propício para orar) e o recolhimento interior (acalmar e ordenar o barulho íntimo, a agitação dos pensamentos, os sentimentos confusos, os medos, recordações, etc.).
Mencionávamos também, ainda que só de passagem, uma outra condição: para orar, é preciso ter sinceridade, a coragem de enfrentar a verdade no íntimo do coração. Vamos refletir agora um pouco sobre isso.
É interessante verificar que o primeiro conselho de Cristo sobre a oração que se encontra no Evangelho, fala de sinceridade: «Quando orardes – diz Jesus -, não façais como os hipócritas» (Mt 6,5).
Que fazem os “hipócritas”? Vamos recordar o que Jesus nos fala deles, e – ao vermos as máscaras que Cristo lhes tira – enxergaremos melhor a sinceridade que nos pede.
A) Primeira máscara: No meio da parábola do semeador, nosso Senhor faz uma citação do profeta Isaías: “O coração deste povo se endureceu: taparam seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare” (Mt 13,15).
Como são claras essas palavras! O segredo está no final da frase: não querem se “converter”, ou seja, não estão dispostos a aceitar a graça de Deus, que os curaria dos seus erros e pecados, e os levaria a mudar. Isso faz com que seu coração se “endureça”; e essa dureza de coração se manifesta na má vontade, que leva a não querer ouvir nem ver (“tapar os ouvidos e fechar os olhos”).
Que Deus nos livre dessa dureza de coração! Mas…, será que não temos um pouco disso? Às vezes, custa-nos abrir o coração com plena sinceridade diante de Deus, expor sem medo a nossa vida à luz das exigências do Evangelho, dispor-nos a acolher os conselhos do de um confessor…, simplesmente porque não queremos mudar. O coração deixou de ser manso e flexível, e ganhou a dureza da pedra. Ora, agir assim é a mesma coisa que expulsar Deus da alma; é como que dizer-lhe: “Não me toques, não mexas comigo, não me perturbes, fica longe de mim!”.
Como é bela a sinceridade da alma que, quando vai orar, abre de par em par o coração, disposta a aceitar todas as luzes, inspirações e exigências que Deus lhe quiser manifestar. Só ora bem uma alma aberta e transparente, uma alma corajosa, disposta a mudar.
B) Segunda máscara: a do fariseu (Lc 18, 9-14). Sobe ao templo, e ora no seu interior desta forma: “Graças te dou, ó Deus, que não sou como os outros homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros”. É a máscara do orgulho, do convencimento, da falsa bondade. Aparentando piedade, o fariseu, na realidade, se defende. Ele, no fundo, diz a Deus: “Veja, Deus, eu sou bom: não tenho pecado. Não falho nas minhas obrigações religiosas, e não me misturo com pecadores como esse coitado aí… Portanto, estamos quites, o Senhor não tem nada a reclamar de mim, pode me deixar em paz”.
Nunca conheceram cristãos assim? Dizem: “Não faço pecados, não preciso me confessar; eu cumpro as minhas obrigações; vou à Missa sempre que posso”. Com essa mentalidade, é impossível falar com Deus e ouvi-lo. “O orgulho cega tremendamente”, dizia São Josemaria Escrivá. Cuidado! Porque esse orgulho que nos leva a justificar-nos, vai nos congelando, petrificando no erro, no mal, na mediocridade. Quando vê esse coração endurecido, é natural que o Espírito Santo nos recorde o que Jesus comentava acerca do fariseu: «Não saiu do templo – da oração -justificado». Por que? Porque «Deus resiste aos soberbos e só dá a sua graça aos humildes» (Ver 1 Pedr 5,5).
Entende-se assim o que diz o “Catecismo da Igreja Católica”: “O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração…” (n. 2631), e que ciete como exemplo a oração do publicano, ouvida por Deus com carinho: “Tem piedade de mim, pecador” (Lc 18,13).
Terceira máscara: Essa máscara é também Jesus quem a arranca da alma de alguns hipócritas, quando diz: «Nem todo aquele que me diz “Senhor, Senhor!”, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus» (Mt 7,21).
Glosando estas palavras, São Josemaria Escrivá falava da “oração dos filhos de Deus”, que é o oposto ao palavreado dos hipócritas, e pedia: «Que o nosso clamar – “Senhor!” – se una ao desejo eficaz de converter em realidade essas moções interiores que o Espírito Santo desperta na alma».
A oração do egoísta sentimental, que gosta de rezar, que chora ao cantar na Igreja, que se emociona com um bom sermão…, mas que não procura entender nem realizar a Vontade de Deus, é a “oração dos hipócritas”, que têm duas vidas separadas: a vida “espiritual” e a vida prática, real. Se Deus quiser, em outras ocasiões meditaremos sobre a união entre a oração e o cumprimento da Vontade de Deus na vida, no dia-a-dia
Quarta máscara: É a que nos mostra, com palavras brevíssimas, esta frase de Cristo: «Quando vos puserdes de pé para orar, perdoai, se tiverdes algum ressentimento contra alguém, para que também o vosso Pai que está nos céus vos perdoe os vossos pecados”.
Se o pedido de perdão – como acabamos de lembrar – é “o primeiro movimento da oração”, com que sinceridade pode falar com Deus aquele que pede perdão, mas não perdoa. Poucas coisas existem que sujem tanto a alma como o ressentimento. É uma barricada entre o Deus do amor e da misericórdia e o pecador que somos nós. É lógico que, entre interlocutores tão díspares, não possa haver diálogo.


Segue o primeiro texto da serie sobre oração:


quarta-feira, 10 de abril de 2013

Condições da oração: Recolhimento




Por: Padre Francisco Faus.

Qualquer forma de oração – meditação, oração mental, oração vocal – precisa de umas condições favoráveis, da mesma maneira que uma planta só cresce numa terra adequada e com um clima propício.
A) Em primeiro lugar, para orar bem precisamos de ter as condições “exteriores” imprescindíveis: “recolhimento exterior”. Ninguém consegue conversar com paz no meio do barulho estridente de uma festa animada por rock metaleiro, nem no centro do fogo cruzado dos gritos das torcidas num estádio.
É verdade que se pode rezar bem na rua, no carro, no ônibus, num trem atulhado de gente, em meio ao barulho do trânsito, mas, para isso, é preciso possuir as condições de “recolhimento interior” de que falaremos depois.

Em todo o caso, não há dúvida de que deveríamos esforçar-nos por garantir um mínimo de condições “exteriores” de recolhimento. Concretamente – como já mencionamos em outro dos nossos encontros -, orar num local e ambiente que seja “recolhido”, ou seja, que nos permita isolar-nos sem ser atrapalhados por barulhos e interrupções. Pode ser no nosso quarto, como o próprio Cristo aconselha (cf. Mt 6,6), ou numa sala isolada do prédio onde estudamos ou trabalhamos, ou num canto do quintal, ou em outro lugar tranquilo a céu aberto, como Jesus fazia (cf. Lc 4,42), ou – melhor ainda, quando isso for possível – numa igreja ou capela.

B) Contudo, bem mais importantes do que as condições “exteriores” são as condições “interiores” necessárias para fazer uma boa oração. Vamos começar pensando no “recolhimento interior”.

Nunca lhe aconteceu de estar a sós, à noite, na cama ou num lugar isolado e silencioso, e perceber que não consegue se concentrar, porque há uma enorme confusão e uma “agitação” angustiante dentro de você? Cruzam pela cabeça, como foguetes, ou ficam martelando, pensamentos variadíssimos: lembranças do dia que passou, preocupações e medos que ficaram entalados, ansiedade pelo que se esqueceu de fazer ou pelo que terá de fazer amanhã, “filminhos” em que você é protagonista, e neles tem a coragem ou o jeito que não foi capaz de ter na hora certa: vencer a timidez, responder brilhantemente, retrucar à altura a um petulante, dizer na cara a um desabusado “o que merece ouvir”, achar as palavras acertadas para iniciar um namoro ou uma amizade… E, assim, não consegue concentrar-se, nem rezar, nem meditar, nem falar em paz com Deus.
Ou será que tem medo de ficar a sós com a sua alma, porque teme o vazio que nela vai descobrir? Você deve conhecer, como eu, pessoas que são incapazes de ficar dez minutos a sós, em silêncio: sentem uma espécie de vertigem, experimentam o mal-estar de quem se acha pendurado sobre o abismo do nada, ou de quem quer evitar a todo o custo ter que enfrentar-se sinceramente consigo. Por isso, tratam de esquivar o vazio e o medo de serem sinceros com diversas “técnicas de fuga”: horas e horas de Internet à toa, de televisão, de escuta de som estridente; de baladas, de bebida, ou simplesmente de cochilo e sono… A alma está vazia, é preciso tapá-la.

Como vê, o que acabamos de descrever são duas faltas de recolhimento interior muito comuns: a) a procedente do descontrole da imaginação, da memória, dos sentimentos; e b) o medo de ser sincero e de se enfrentar consigo mesmo.

Hoje ficaremos apenas com a primeira dessas faltas de recolhimento interior, e tentaremos sugerir alguns meios para consegui-lo. Em outra ocasião, refletiremos sobre a segunda.
Para conquistar o recolhimento interior e dominar aos poucos o caos da imaginação, da memória e dos sentimentos, há, principalmente, três meios:

1) Primeiro, um meio muito simples… e nada fácil! “A ordem”: tanto a ordem material como a ordem nos horários e tarefas.

Uma pessoa desorganizada vive com marimbondos na cabeça, que não lhe dão sossego: “tenho muito que fazer…, mas o que faço primeiro?”, “esqueci, não anotei, não previ… e vou chegar tarde, vou perder o prazo…”, “por que não aproveitei a chance que tive de fazer uma ligação ou uma visita, e de resolver ou ao menos encaminhar esse problema que agora me aflige ou me deixa frustrado?”, “passou-me o aniversário de Fulano!”, “não calculei bem, e agora não dá mais para estudar tudo o que precisaria para as provas”…
Muito bem diz o livro Caminho: «Virtude sem ordem? – Estranha virtude» (n.79), e «Quando tiveres ordem, multiplicar-se-á o teu tempo…» (n. 80).

Aconselho-lhe que, em um dia em que estiver afobado e sentir a agonia de um monte de coisas a fazer que se agitam por dentro como marimbondos desvairados, se decida a parar, a deter por cinco minutos a “correria”: sente-se, pegue num papel (melhor numa agenda, pequena ou média, inseparável) e anote os assuntos pendentes, colocando-os em coluna e recolocando-os a seguir pela ordem de precedência que julgar melhor. Verá duas coisas: os “marimbondos”não são “tantos” como a imaginação insinuava, e o tempo não é “tão curto” como parecia. Normalmente, dá para fazer tudo ou quase tudo.

Se, ainda por cima, percebe que se demora demais em certas tarefas, telefonemas ou “papos-moles” e que poderia também ter aproveitado melhor alguns intervalos e tempos “mortos”, descobrirá que, com uma ordem bem planejada, o tempo rende mais do que imaginava. Então, com o dia assim preenchido e sem a angústia da afobação nas tarefas, chegará à noite ou acordará de manhã com mais paz, poderá sentar-se, recolher-se e estar em condições de ler e de orar com calma e proveito.

2) Segundo meio: vencer a curiosidade inútil ou má. Os olhos e os ouvidos são janelas. Veja o que deixa entrar na alma por essas janelas. Porque o que entra, fica, e depois pica (como os marimbondos). É preciso lutar para evitar a curiosidade infantil e descontrolada, é preciso fazer a mortificação de vencer-se nesse defeito. Quando se vai conseguindo, nota-se que a paz aumenta na alma.

3) Terceiro meio, que também não é fácil, mas é possível. Mal perceba que se agitam a imaginação e a memória com imagens e pensamentos inúteis ou negativos, não se largue ao embalo deles, mas procure reagir. Poderá fazê-lo com um ato de vontade – “tenho que parar de pensar nisso, vou pensar em outra coisa” -, ou pedindo a ajuda de Deus, de Nossa Senhora, do seu Anjo da Guarda; ou – por exemplo à noite, quando não conseguir adormecer – rezando seguidamente orações breves (jaculatórias, como fazia o “peregrino russo”), ou os Pai-nossos e as Ave-marias do terço; ou, se a insônia for mais forte, pegando num livro bom para ler.

Recolhimento! Já viu que, no fundo, consiste na conquista do silêncio exterior e interior.

Hoje, não quero terminar a nossa meditação sem citar-lhe umas palavras da Madre Teresa de Calcutá:
«The fruit of silence is prayer. The fruit of prayer is faith. The fruit of faith is love. The fruit of love is service. The fruit of service is peace». [O fruto do silêncio é a oração. O fruto da oração é a fé. O fruto da fé e o amor. O fruto do amor é o serviço. O fruto do serviço é a, paz]
Não gostaria de ser alma de oração e seguir esse “itinerário da paz”?

terça-feira, 2 de abril de 2013

O TEMPO PASCAL



Jesus Cristo, vencendo a morte, nos comunica a Vida nova.

1. Significação deste Tempo. É o período que vai do Domingo de Páscoa até o sábado depois de Pentecostes. Três grandes festas se celebram neste espaço de tempo: a Páscoa ou Ressurreição, a Ascensão e a descida do Divino Espírito Santo (Pentecostes). Tão antiga como a Igreja, a festa da Páscoa regulou a distribuição do Ano eclesiástico. O Mistério pascal preparado pela Quaresma e prolongado até Pentecostes, irradia sobre quatro meses do ano cristão: e todo o resto do ano é apenas uma preparação ou uma expansão desta solenidade. 

Jesus Cristo, o Sol da Justiça, brilha hoje em toda a sua plenitude. Sua Ressurreição é a prova mais brilhante e incontestável de sua divindade. E' pois, com razão, que a santa Igreja, em transportes de alegria, celebra o triunfo definitivo de Nosso Senhor e associa todos os seus filhos à sua gloriosa Ressurreição, fazendo-os renascer para uma vida nova. Esta vida nova tem a sua origem no Batismo. Por este motivo este Sacramento ocupa um lugar de relevo na liturgia pascal. Administravam-no solenemente na noite do Sábado Santo: e durante toda a oitava, os novos batizados, como filhos recém-nascidos, absorviam todos os cuidados da santa Madre Igreja. Entretanto esta Mãe pensa também em nós durante este Tempo. Jesus Cristo combateu também por nossas almas. Sobre as ruínas do "velho homem", Ele quer fundar o seu reino de graça. Cumpre, pois, exterminar de nós o pecado, único obstáculo à nossa ressurreição. Eis porque a Igreja nos convida com tanta insistência para o Sacramento da penitência! 

2. Nossos sentimentos neste Tempo. O Cristão que alcançou uma perfeita inteligência do que significa o Tempo pascal, e vive e sente com a santa Igreja, compreendeu a vida sobrenatural em toda a sua extensão. Sim, para nós, a Páscoa não é somente a comemoração da Ressurreição de Jesus Cristo; é o início, é o penhor e a garantia da nossa própria. O Batismo nos fez membros de Jesus Cristo. O Espírito Santo, que habita e vive n'Ele, habita e vive também em nós. Nossos corpos são seus templos. Daí resulta que este Espírito, que ressuscitou a Jesus Cristo, exercerá em todos os membros de seu Corpo místico, as mesmas transformações. Ressuscitaremos e triunfaremos com Ele. Nossa alma, nosso corpo, toda a nossa personalidade, todo este nosso eu, que nos é tão caro, a quem a destruição e o nada horrorizam, conhecerá também este dia vitorioso em que, vencida a morte, se tornará semelhante à humanidade gloriosa do Salvador. E como as festas pascais nos fornecem o penhor infalível desta Ressurreição, torna-se para nós um céu antecipado. A alma cristã, desde já, vive com Jesus Cristo ressuscitado; e toda a liturgia com os seus aleluias sem fim, dá-lhe um antegozo da eternidade. 

3. Particularidades deste Tempo. Durante este período parece que a santa Igreja olvida por algum tempo a sua condição de militante, a fim de tomar parte nas alegrias da Igreja triunfante. Mais que em qualquer outro tempo, o culto se reveste de um aspecto solene e jubiloso, que contrasta com as tristezas da Semana Santa. 

Cântico do céu, o aleluia, banido dois meses dos nossos lábios, ressoa enfim. Dir-se-ia não ter a Igreja outra palavra para exprimir a sua alegria. O Círio pascal, símbolo do Cristo ressuscitado, lá está aceso, atestando até o dia da Ascensão, o Ressurgimento. 

Um reflorescer de vida sobrenatural se opera na Igreja, como se das festas pascais brotasse uma seiva nova. Águas batismais. Santos óleos. Pão eucarístico. Luz. Fogo. Incenso. Todas estas energias foram renovadas. Suspensos os seus ritos de penitência. Os ornamentos são brancos. O Asperges que purifica é substituído por um hino às águas vivificadoras que acabam de brotar. Fica interrompida a lei do jejum, mesmo nas ordens religiosas mais severas. As Orações se fazem de pé, pois outra atitude conviria menos a triunfadores.

In Missal Quotidiano, D. Beda Keckeisen, O.S.B., Tipografia Beneditina, LTDA, Bahia, junho de 1957.