quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O segundo e o terceiro mandamentos do Decálogo




O segundo mandamento da Lei de Deus prescreve respeitar o nome do Senhor, enquanto o terceiro manda santificar as festas.

1. O segundo mandamento 

O segundo mandamento da Lei de Deus é: Não tomarás o nome de Deus em vão. Este mandamento «manda respeitar o nome do Senhor» (Catecismo, 2142) e manda honrar o nome de Deus. Não se deve pronunciar «senão para o bendizer, louvar e glorificar» (Catecismo, 2143). 

1.1. O nome de Deus 

«O nome de uma pessoa expressa a essência, sua identidade e o sentido de sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anônima (Catecismo, 203). No entanto, Deus não pode ser abarcado pelos conceitos humanos, nem há ideia alguma capaz de lhe representar, nem nome que possa expressar exaustivamente a essência divina. Deus é “Santo”, o que significa que é absolutamente superior, que está acima de toda criatura, que é transcendente. 

Apesar de tudo, para que possamos lhe invocar e nos dirigir pessoalmente a Ele, no Antigo Testamento «se revelou progressivamente e sob diversos nomes a seu povo» (Catecismo, 204). O nome que manifestou a Moisés indica que Deus é o Ser por essência. Disse Deus a Moisés: “Eu sou o que sou”. E acrescentou: “Assim dirás aos filhos de Israel: ‘Eu sou’ [Yahvé: ‘Ele é’] me enviou a vocês”... Este é meu nome para sempre (Ex 3,13-15; cfr. Catecismo, 213). Por respeito à santidade de Deus, o povo de Israel não pronunciava este nome mas o substituía pelo título “Senhor” (“Adonai”, em hebreu; “Kyrios”, em grego) (cfr. Catecismo, 209). Outros nomes de Deus no Antigo Testamento são: “Élohim”, termo que é o plural majestático de plenitude ou de grandeza; “O-Saddai”, que significa poderoso, onipotente. 

No Novo Testamento, Deus dá a conhecer o mistério de sua vida íntima trinitária: um único Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus Cristo ensina-nos a chamar a Deus “Pai” (Mt 6.9): “Abbá” que é o modo familiar de dizer Pai em hebreu (cfr. Rm 8,15). Deus é Pai de Jesus Cristo e Pai nosso, ainda que não do mesmo modo, porque Ele é o Filho Unigênito e nós filhos adotivos. Mas somos verdadeiramente filhos (cfr. 1Jn 3,1), irmãos de Jesus Cristo (Rm 8,29), porque o Espírito Santo foi enviado a nossos corações e participamos da natureza divina (cfr. Ga 4,6; 2Pe 1,4). Somos filhos de Deus em Cristo. Em consequência podemos dirigir-nos a Deus chamando-lhe com verdade “Pai”, como aconselha São Josemaria: «Deus é um Pai cheio de ternura, de infinito amor. Chama-o Pai muitas vezes ao dia, e diz-lhe - a sós, em teu coração - que o amas, que o adoras;  que sentes o orgulho e a força de ser seu filho»[1]. 

1.2. Honrar o nome de Deus 

No Pai Nosso rezamos: “Santificado seja o vosso nome”. O termo “santificar” deve entender-se aqui, no sentido de «reconhecer o nome de Deus como santo, tratar seu nome de uma maneira santa» (Catecismo, 2807). É o que fazemos quando adoramos, louvamos ou damos graças a Deus. Mas as palavras “santificado seja o vosso nome” são também uma das petições do Pai Nosso: ao pronunciá-las pedimos que seu nome seja santificado através de nós, isto é, que lhe demos glória com nossa vida e que os demais lhe glorifiquem (cfr. Mt 5,16). «Depende de nossa vida e de nossa oração que seu Nome seja santificado entre as nações» (Catecismo, 2814). 

O respeito ao nome de Deus reclama também respeito ao nome da Santíssima Virgem Maria, dos Santos e das realidades santas nas quais Deus está presente de um modo ou outro, antes de mais nada, na Santíssima Eucaristia, verdadeira Presença de Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, entre os homens. 

O segundo mandamento proíbe todo uso inconveniente do nome de Deus (cfr. Catecismo, 2146), e em particular a blasfêmia que «consiste em proferir contra Deus - interior ou exteriormente - palavras de ódio, de repreensão, de desafio (...). É também blasfemo recorrer ao nome de Deus para justificar práticas criminosas, reduzir povos a servidão, torturar ou dar morte. (...) A blasfêmia é em si um pecado grave» (Catecismo, 2148). 

Também proíbe o juramento em falso (cfr. Catecismo, 2150). Jurar é tomar a Deus por testemunha do que se afirma (por exemplo, para dar garantia de uma promessa ou de um depoimento, para provar a inocência de uma pessoa injustamente acusada ou exposta a suspeita, ou para por fim a pleitos e controvérsias, etc.). Há circunstâncias nas quais é lícito o juramento, se for feito com verdade e com justiça, e se for necessário, como pode suceder em um julgamento ou ao assumir um cargo (cfr.Catecismo, 2154). Nos demais casos, o Senhor ensina a não jurar: «seja vossa linguagem: sim, sim; não, não» (Mt 5,37; cfr. Tg 5,12; Catecismo, 2153). 

1.3. O nome do cristão 

«O homem é a única criatura na terra a qual Deus amou por si mesma»[2]. Não é “algo” mas “alguém”, uma pessoa. «Só ele está chamado a participar, pelo conhecimento e pelo amor, da vida de Deus. Para este fim foi criado e esta é a razão fundamental de sua dignidade» (Catecismo, 356). No Batismo, ao ser feito filho de Deus, recebe um nome que representa sua singularidade irrepetível ante Deus e ante os demais (cfr.Catecismo, 2156, 2158). Batizar também se diz “cristianizar”: cristão, seguidor de Jesus Cristo, é nome próprio de todo batizado, que recebeu a chamada a identificar com o Senhor: «foi em Antioquia onde os discípulos [os que se convertiam no nome de Jesus Cristo, pela ação do Espírito Santo] receberam pela primeira vez o nome de cristãos» (At 11,26). 

Deus chama à cada um por seu nome (cfr. 1 Sam 3,4-10; Is 43,1; Jo 10,3;At 9,4 ). Ama a cada um pessoalmente. Jesus Cristo, diz São Paulo, «amou-me e entregou-se a si mesmo por mim» (Ga 2,20). Da cada um espera uma resposta de amor: «amarás ao Senhor teu Deus com todo teu coração e com toda tua alma e com toda tua mente e com todas tuas forças» (Mc 12,30). Ninguém pode substituir nessa resposta de amor a Deus. São Josemaria anima a meditar «com calma aquela divina advertência que enche a alma de inquietação e, ao mesmo tempo, lhe traz sabores de mel: redemi te, et vocavi te nomine tuo: meus é tu (Is 43,1); Eu te redimi e te chamei pelo teu nome: tu és meu! Não roubemos a Deus o que é seu. Um Deus que nos amou a ponto de morrer por nós, que nos escolheu desde toda a eternidade, antes da criação do mundo, para que sejamos santos em sua presença (cfr. Ef 1,4)»[3]. 

2. O terceiro mandamento do Decálogo 

O terceiro mandamento do Decálogo é: Santificar as festas. Manda honrar a Deus com obras de culto no domingo e em outros dias de festa. 

2.1. No domingo ou dia do Senhor 

A Bíblia narra a obra da criação em seis “dias”. Ao concluir «Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom (...)Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação» (Gn 1,31.2,3). No Antigo Testamento, Deus estabeleceu que o dia sétimo da semana fosse santo, um dia separado e diferente dos demais. O homem, que está chamado a participar do poder criador de Deus aperfeiçoando o mundo por meio de seu trabalho, deve também cessar de trabalhar no sétimo dia, para dedicar ao culto divino e ao descanso. 

Antes da vinda de Jesus Cristo, o dia sétimo era o sábado. No Novo Testamento é o domingo, o “Dies Domini”, dia do Senhor, porque é o dia da Ressurreição do Senhor. O sábado representava o final da Criação; o domingo representa o início da “Nova Criação” que teve lugar com a Ressurreição de Jesus Cristo (cfr. Catecismo, 2174). 

2.2. A participação na Santa Missa no domingo 

Já que o Sacrifício da Eucaristia é a «fonte e o cume da vida da Igreja»[4], o domingo se santifica principalmente com a participação na Santa Missa. A Igreja concretiza o terceiro mandamento do Decálogo com o seguinte preceito: «No domingo e nas demais festas de preceito os fiéis tem obrigação de participar da Missa» (CIC, can. 1247; Catecismo, 2180). Além do domingo, os principais dias de preceito são: «Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Epifania, Ascensão e Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, Santa Maria Mãe de Deus, sua Imaculada Conceição e Assunção, São José e os Apóstolos São Pedro e São Paulo, e finalmente o de Todos os Santos» (CIC, can. 1246; Catecismo, 2177). «Cumpre o preceito de participar da Missa quem assiste a ela, onde quer que se celebre em um rito católico, tanto no dia da festa como no dia anterior pela tarde" (CIC, can. 1248)» (Catecismo, 2180). 

«Os fiéis estão obrigados a participar da Eucaristia nos dias de preceito, a não ser que estejam impossibilitados por uma razão séria (por exemplo, doença, cuidando de crianças pequenas) ou dispensados por seu pastor próprio (cfr. CIC, can. 1245). Os que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem um pecado grave» (Catecismo, 2181). 

2.3. No domingo, dia de descanso 

«Bem como Deus “cessou no dia sétimo de toda a tarefa que tinha feito” (Gn 2,2), a vida humana segue um ritmo de trabalho e descanso. A instituição do Dia do Senhor contribui para que todos desfrutem do tempo de descanso que lhes permita cultivar sua vida familiar, cultural, social e religiosa» (Catecismo, 2184). Nos domingos e demais festas de preceito, os fiéis tem obrigação de abster daqueles trabalhos e atividades que impeça dar culto a Deus, gozar da alegria própria do dia do Senhor ou desfrutar do devido descanso da mente e do corpo» (CIC, can. 1247). Trata-se de uma obrigação grave, como o é o preceito de santificar as festas. Não obstante, o descanso dominical pode não obrigar na presença de um dever superior, de justiça ou de caridade. 

«No respeito da liberdade religiosa e do bem comum de todos, os cristãos devem se esforçar por obter o reconhecimento dos domingos e dias de festa da Igreja como dias feriados legais. Devem dar a todos um exemplo público de oração, de respeito e de alegria, e defender suas tradições como uma contribuição preciosa à vida espiritual da sociedade humana» (Catecismo, 2188). «Todo o cristão deve evitar impor a outrem, sem necessidade, o que possa impedi-lo de guardar o Dia do Senhor» (Catecismo, 2187). 

2.4. O culto público e o direito civil à liberdade religiosa 

Atualmente encontra-se bastante estendida em alguns países uma forma de pensar “laicista” que considera que a religião é um assunto privado que não deve ter manifestações públicas e sociais. Pelo contrário, a doutrina cristã ensina que o homem deve «poder professar livremente a religião em público e em privado»[5]. Efetivamente, a lei moral natural, inscrita no coração do homem, prescreve «dar a Deus um culto exterior, visível, público»[6] (cfr. Catecismo, 2176). Certamente, o culto a Deus é antes de mais nada, um ato interior; mas deve-se poder manifestar exteriormente, porque ao espírito humano «resulta-lhe necessário servir das coisas materiais, como de sinais, mediante os quais seja estimulado a realizar essas ações espirituais que lhe unem a Deus»[7]. 

Não só se deve poder professar a religião exteriormente, mas também socialmente, isto é, com outros, porque «a mesma natureza social do homem exige que (...) que possa professar sua religião de forma comunitária»[8]. A dimensão social do homem reclama que o culto possa ter expressões sociais. «Faz-se injuria à pessoa humana se lhe for negado o livre exercício da religião na sociedade, sempre que fique a salvo a justa ordem pública (...). A autoridade civil, cujo fim próprio é velar pelo bem comum temporal, deve reconhecer a vida religiosa dos cidadãos e favorecê-la»[9]. 

Há um direito social e civil à liberdade em matéria religiosa que significa que a sociedade e o Estado não podem impedir que cada um atue neste campo segundo o ditado de sua consciência, tanto privadamente como em público, sempre que se respeite os justos limites derivados das exigências de bem comum, como são a ordem pública e a moralidade pública[10] (cfr.Catecismo, 2109). Cada pessoa está obrigada, em consciência, a buscar a verdadeira religião e a aderir-se a ela; nesta busca pode receber a ajuda de outros – mais ainda, os fiéis cristãos tem o dever de prestar essa ajuda com o apostolado –, mas ninguém tem de ser coagido nem também impedido. A adesão à fé e sua prática devem ser sempre livres, o mesmo que sua prática (cfr. Catecismo, 2104-2106). 

«Esta é tua tarefa de cidadão cristão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam todas as manifestações da vida moderna: a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e a convivência social»[11]. 

Javier López 


Bibliografia básica 

Segundo mandamento: Catecismo da Igreja Católica, 203-213;2142-2195. 

Terceiro mandamento: Catecismo da Igreja Católica, 2168-2188; João Paulo II, Carta Ap. Dies Domini, 31-5-1998. 

Bento XVI-Joseph Ratzinger, Jesús de Nazaré, A Esfera dos Livros, Madri 2007, 176-180 (cap. 5, §2). 

Leituras recomendadas 

São Josemaria, Homilia O relacionamento com Deus, em Amigos de Deus, 142-153. 

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[1] São Josemaria, Amigos de Deus, 150. 

[2] Concilio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 24. 

[3] São Josemaria, Amigos de Deus, 312. 

[4] Concilio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 10. 

[5] Concilio Vaticano II, Decl. Dignitatis humanae, 15; Catecismo, 2137. 

[6] Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 122, a. 4, c. 

[7] Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 81, a. 7, c. 

[8] Concilio Vaticano II, Decl. Dignitatis humanae, 3. 

[9] Ibid. 

[10] Idem, 7. 

[11] São Josemaria, Sulco, 302.

Fonte: http://www.opusdei.org.br 

domingo, 26 de agosto de 2012

Papa explica significado da santidade: ser conforme a Jesus.



A vocação de todo o cristão à santidade foi o tema central da Catequese do Papa Bento XVI na manhã de quarta-feira, 13 de abril. O encontro encerrou o ciclo de meditações do Santo Padre sobre a vida dos Santos, iniciado há dois anos.

Segundo o Bispo de Roma, toda a história da Igreja é assinalada por homens e mulheres que, com seu testemunho de fé, caridade e com a própria vida se tornaram faróis para muitas gerações, incluindo também a nossa.

"Ao término deste ciclo de catequeses, gostaria de oferecer alguns pensamentos sobre o que seja a santidade. O que significa dizer ser santos? Quem é chamado a ser santo? Muitas vezes, somos levados ainda a pensar que a santidade seja uma meta reservada a poucos eleitos. [...] A santidade, a plenitude da vida cristã, não consiste em cumprir ações extraordinárias, mas em unir-se a Cristo, em viver os seus mistérios, em fazer nossas as suas atitudes, seus pensamentos, seus comportamentos. A medida da santidade é dada pela estatura que Cristo alcança em nós, através da qual, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida sobre a sua. É o ser conforme a Jesus. Todos somos chamados à santidade: é a medida mesma da vida cristã", ressaltou.

O Sucessor de Pedro propôs dois questionamentos fundamentais: Como podemos percorrer a estrada da santidade, responder a esse chamado? É possível apenas com nossas próprias forças? "A resposta é clara: uma vida santa não é fruto principalmente do nosso esforço, das nossas ações, porque é Deus que nos torna santos, é a ação do Espírito Santo que nos anima a partir de dentro, é a vida mesma de Cristo Ressuscitado que nos é comunicada e que nos transforma".

A santidade tem sua raiz última na graça batismal, pois é devido a ela que nosso destino é ligado indissoluvelmente ao seu. "Mas Deus respeita sempre a nossa liberdade e pede que aceitemos esse dom e vivamos as exigências que ele comporta, pede que nos deixemos transformar pela ação do Espírito Santo, conformando a nossa vontade à vontade de Deus", explicou.


Como viver? O que é essencial? É possível?

Aqui surgem duas outras indagações importantes: Como pode acontecer que o nosso modo de pensar e as nossas ações tornem-se o pensar e o agir com Cristo e de Cristo? Qual é a alma da santidade? "De novo o Concílio Vaticano II precisa; diz-nos que a santidade cristã não é nada mais que a caridade plenamente vivida, o dom primeiro e mais necessário. Mas, para que a caridade cresça na alma e ali frutifique cada fiel deve escutar voluntariamente a Palavra de Deus e, com o auxílio da sua graça, realizar as obras de sua vontade, participar frequentemente dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da santa liturgia; aplicar-se constantemente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço ativo dos irmãos e ao exercício de toda a virtude. A caridade dirige todos os meios de santificação, lhes dá forma e condu-los ao seu objetivo", definiu Bento XVI.

Frente à possível dificuldade de compreensão dos marcos pastorais do Concílio, o Papa diz que talvez seja preciso dizer as coisas de modo mais simples. "O que é essencial?", pergunta, e indica não deixar nunca de participar do encontro com Cristo Ressuscitado na Eucaristia aos domingos, não começar e não terminar o dia sem ao menos um breve contato com Deus e seguir os indicadores que ele coloca à beira do caminho de nosso vida. "Essa é a verdadeira simplicidade, grandeza e profundidade da vida cristã, do ser santos", frisou.

O Papa lança ainda outro questionamento: Podemos nós, com os nossos limites, buscar a uma meta tão alta? Bento XVI explica que a Igreja convida, durante todo o Ano Litúrgico, a fazer memória de uma legião de Santos que viveram plenamente a santidade na sua vida cotidiana, os quais dizem-nos que é possível percorrer essa estrada. 

"Na realidade, devo dizer que também para a minha fé pessoal muitos santos, não todos, são verdadeiras estrelas no firmamento da história. E gostaria de complementar que, para mim, não somente alguns grandes santos que amo e que conheço bem são 'indicadores do caminho', mas propriamente também os santos simples, isto é, as pessoas boas que vejo na minha vida, que não serão nunca canonizadas. São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas na sua bondade de todo dia vejo a verdade da fé. Essa bondade, que amadureceram na fé da Igreja, é para mim a mais segura apologia do cristianismo e o sinal de onde esteja a verdade", ressaltou.

Por fim, disse:

"Queridos amigos, como é grande e bela, e também simples, a vocação cristã vista nessa luz! Gostaria de convidar a todos a abrir-se à ação do Espírito Santo, que transforma a nossa vida, para sermos também nós como peças do grande mosaico de santidade que Deus vai criando na história, para que o rosto de Cristo resplandeça na plenitude do seu fulgor. Não tenhamos medo de tender ao alto, rumo às alturas de Deus; não tenhamos medo de que Deus nos peça muito, mas deixemo-nos guiar em cada ação cotidiana pela sua Palavra, também se nos sentimos pobres, inadequados, pecadores: será Ele a transformar-nos segundo o seu amor"


A audiência

O encontro do Bispo de Roma com os cerca de 15 mil fiéis reunidos na Praça de São Pedro aconteceu às 10h30 (horário de Roma - 5h30 no horário de Brasília). O Papa conclui uma série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja, no contexto de Catequeses dedicadas aos padres da Igreja e grandes figuras de teólogos e mulheres da Idade média.
Na saudação aos fiéis de língua portuguesa, o Papa salientou:

"de coração saúdo os peregrinos do Brasil e os portugueses da paróquia de São Martinho do Bispo e da Escola da Lourinhã. Esta vossa peregrinação a Roma seja para todos um encontro com Jesus Cristo, que encha cada vez mais a vossa vida de amor de Deus e do próximo. Sobre as vossas famílias e comunidades desçam abundantes os favores divinos, que sobre todos invoco, ao dar-vos a Bênção Apostólica".



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Decálogo. O primeiro mandamento


Jesus Cristo ensinou que para se salvar é necessário cumprir os mandamentos, que expressam a essência da lei moral natural. O primeiro mandamento é duplo: o amor a Deus e o amor ao próximo por amor a Deus.


1. Os Dez mandamentos ou Decálogo

Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou que para se salvar é necessário cumprir os mandamentos. Quando um jovem lhe pergunta: «Mestre, que devo fazer para atingir a vida eterna?» (Mt 19,16), Ele responde «Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos» (Mt 19,17). A seguir cita alguns preceitos referentes ao amor ao próximo: «Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás depoimento falso, honra a teu pai e a tua mãe» (Mt 19,18-19). Estes preceitos, junto com os referentes ao amor a Deus que o Senhor menciona em outras ocasiões, formam os dez mandamentos da Lei divina (cfr. Ex 20,1-17; Catecismo, 2052). «Os três primeiros referem-se mais explicitamente ao amor a Deus e os outros sete ao amor ao próximo» (Catecismo, 2067). 

Os dez mandamentos expressam a essência da lei moral natural (cfr.Catecismo, 1955). É uma lei inscrita no coração dos homens, cujo conhecimento se obscureceu como consequência do pecado original e dos sucessivos pecados pessoais. Deus quis revelar «algumas verdades religiosas e morais que, de per si não são inacessíveis à razão» (Catecismo, 38) para que todos a possam conhecer de modo completo e verdadeiro (cfr. Catecismo, 37-38). Revelou-a primeiro no Antigo Testamento e depois, plenamente, por meio de Jesus Cristo (cfr.Catecismo, 2053-2054). A Igreja guarda a Revelação e ensina-a a todos os homens (cfr. Catecismo, 2071). 

Alguns mandamentos estabelecem o que se deve fazer (p.ex., santificar as festas); outros assinalam o que nunca é lícito realizar (p.ex., matar a um inocente). Estes últimos indicam alguns atos que são intrinsecamente maus em razão de seu mesmo objeto moral, independentemente de quais sejam os motivos ou ulteriores intenções de quem os realiza e as circunstâncias que os acompanham[1]. 

«Jesus mostra que os mandamentos não devem ser entendidos somente como um limite mínimo que não se deve ultrapassar, mas como umasenda aberta para um caminho moral e espiritual de perfeição, cujo impulso interior é o amor (cfr. Col 3,14)»[2]. Por exemplo, o mandamento “Não matarás” contém a chamada não somente a respeitar a vida do próximo mas principalmente a promover seu desenvolvimento e fomentar seu enriquecimento como pessoas. Não se trata de proibições que limitam a liberdade; são luzes que mostram o caminho do bem e da felicidade, libertando o homem do erro moral. 

2. O primeiro mandamento 

O primeiro mandamento é duplo: o amor a Deus e o amor ao próximo por amor a Deus. «Mestre, qual é o mandamento principal da Lei? Ele lhe respondeu: -Amarás ao Senhor teu Deus com todo teu coração e com toda tua alma e com toda tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é como este: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas» (Mt 22,36-40). 

Este amor chama-se caridade. Com o mesmo termo designa-se também a virtude teologal cujo ato é o amor a Deus e aos demais por Deus. A caridade é um dom que infunde o Espírito Santo a quem são feitos filhos adotivos de Deus (cfr. Rm 5,5). A caridade deve crescer ao longo da vida nesta terra, pela ação do Espírito Santo e com nossa cooperação: crescer em santidade é crescer em caridade. A santidade não é outra coisa que a plenitude da filiação divina e da caridade. Também pode diminuir pelo pecado venial e inclusive se perder pelo pecado grave. A caridade tem uma ordem: Deus, os demais (por amor a Deus) e si próprio (por amor a Deus).

O amor a Deus 

Amar a Deus como filhos seus comporta: a) Escolhê-lO como fim último de tudo o que fazemos. Atuar em tudo por amor a Ele e para sua glória: «quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus» (1 Co 10,31). «"Deo omnis glória". -Para Deus toda a glória»[3]. Não pode haver uma finalidade superior a esta. Nenhum amor pode-se pôr acima do amor a Deus: «Quem ama a seu pai ou a sua mãe mais que a mim, não é digno de mim; e quem ama a seu filho ou a sua filha mais que a mim, não é digno de mim» (Mt 10,37). «Não há mais amor que o Amor!»[4]: não pode existir um verdadeiro amor que exclua ou postergue o amor a Deus. 

b) Cumprir a Vontade de Deus com obras: «Nem todo o que diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus» (Mt 7,21). A Vontade de Deus é que sejamos santos (cfr. 1 Ts 4,3), que sigamos a Cristo (cfr. Mt 17,5), realizando seus mandamentos (cfr. Jo 14,21). «Queres de verdade ser santo? -Cumpre o pequeno dever da cada momento: faz o que deves e está no que fazes»[5]. Cumpri-la também quando exige sacrifício: «não se faça minha vontade senão a tua» (Lc 22,42). 

c) Corresponder a seu amor por nós. Ele nos amou primeiro, nos criou livres e nos fez seus filhos (cfr. 1 Jo 4,19). O pecado é recusar o amor de Deus (cfr. Catecismo, 2094), mas Ele perdoa sempre, se entrega a nós sempre. «Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou a seu Filho como vítima de propiciação por nossos pecados» (1 Jo 4,10; cfr. Jo 3,16). «Amou-me e entregou-se a si mesmo por mim» (Ga 2,20). «Corresponder a tanto amor exige de nós uma total entrega, do corpo e da alma»[6]. Não é um sentimento, mas uma determinação da vontade que pode estar ou não estar acompanhada de afetos. 

O amor a Deus leva a buscar a intimidade com Ele. Este relacionamento é a oração e alimenta por sua vez o amor. Pode se revestir de diversas formas[7]: 

a) «A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura ante seu Criador» (Catecismo, 2628). É a atitude mais fundamental da religião (cfr. Catecismo, 2095). «Ao Senhor teu Deus adorarás e somente a Ele darás culto» (Mt 4,10). A adoração a Deus liberta das diversas formas de idolatria, que levam à escravatura. «Que tua oração seja sempre um sincero e real ato de adoração a Deus»[8]. 

b) A ação de graças (cfr. Catecismo, 2638), porque tudo o que somos e temos o recebemos dele para lhe dar glória: «Que tens que não tenhas recebido? E se recebeste-o, por que te glorias, como se não o tivesses recebido?» (1 Co 4,7). 

c) A petição, que por sua vez tem dois modos: a petição de perdão pelo que separa de Deus (o pecado) e a petição de ajuda, para si mesmo ou para outros, também para a Igreja e a humanidade inteira. Estas duas formas de petição manifestam-se no Pai Nosso: “... o pão nosso da cada dia nos dai hoje, perdoai nossas ofensas...”. A petição do cristão está cheia de segurança, «porque fomos salvos pela esperança» (Rm 8,24) e porque é uma petição filial, por meio de Cristo: «se algo pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo concederá» (Jo 16,23; cfr. 1 Jo 5,14-15). 

O amor manifesta-se também com o sacrifício, inseparável da oração: «a oração se valoriza com o sacrifício»[9]. O sacrifício é o oferecimento a Deus de um bem sensível, em sua homenagem, como expressão da entrega interior da própria vontade, isto é, da obediência a Deus. Cristo redimiu-nos pelo Sacrifício da Cruz, que manifesta sua perfeita obediência até a morte (cfr. Flp 2,8). Os cristãos, como membros de Cristo, podemos corredimircom Ele, unindo nossos sacrifícios ao seu, na Santa Missa (cfr. Catecismo, 2100). 

A oração e o sacrifício constituem o culto a Deus. Chama-se culto de latriaou adoração, para distinguir do culto aos Anjos e aos Santos que é de duliaou veneração e do culto com o que se honra à Santíssima Virgem, chamado de hiperdulia (cfr. Catecismo, 971). O ato de culto por excelência é a Santa Missa, reprodução da liturgia celeste. O amor a Deus deve manifestar na dignidade do culto: observância das prescrições da Igreja, «urbanidade da piedade»[10], cuidado e limpeza dos objetos. «Aquela mulher que em casa de Simão o leproso, em Betânia, unge com rico perfume a cabeça do Mestre, nos recorda o dever de sermos magnânimos no culto de Deus. -Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco»[11]. 

3. A fé e a esperança em Deus 

Fé, esperança e caridade são as três virtudes “teologais” (virtudes que se dirigem a Deus). A maior é a caridade (cfr. 1 Co 13,13), que dá forma” e “vida” sobrenatural à fé e à esperança (de modo semelhante a como a alma dá vida ao corpo). Mas a caridade pressupõe nesta terra a fé, porque só pode amar a Deus quem lhe conhece; e pressupõe também a esperança, porque só pode amar a Deus quem põe seu desejo de felicidade na união com Ele. 

A fé é um dom de Deus, luz na inteligência que nos permite conhecer a verdade que Deus revelou e assentir a ela. Implica duas coisas: crer o que Deus revelou (o mistério da Santíssima Trindade e todos os artigos do “Credo”) e crer no próprio Deus que o revelou (confiar nele). Não há nem pode ter oposição entre fé e razão. 

A formação doutrinal é importante para atingir uma fé firme e, portanto, para alimentar o amor a Deus e aos demais por Deus: para a santidade e o apostolado. A vida de fé é uma vida apoiada na fé e coerente com ela. 

A esperança é também um dom de Deus que leva a desejar a união com Ele, na que se encontra nossa felicidade, confiando em que nos dará a capacidade e os meios para a atingir (cfr. Catecismo, 2090). 

Os cristãos temos de estar «alegres na esperança» (Rm 12,12), porque se somos fiéis aguarda-nos a felicidade do Céu: a visão de Deus cara a cara (1 Co 13,12), a visão beatífica. «Se somos filhos, também herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo; contanto que padeçamos com ele, para ser com ele também glorificados» (Rm 8,17). A vida cristã nesta terra é um caminho de felicidade porque já agora temos uma antecipação dessa união com a Santíssima Trindade, pela graça, mas é uma felicidade com dor, com Cruz. A esperança faz conscientes de que vale a pena!: «Vale a pena jogar a vida inteira!: trabalhar e sofrer, por Amor, para levar avante os desígnios de Deus, para corredimir»[12]. 

Os pecados contra o primeiro mandamento são pecados contra as virtudes teologais: 

a) Contra a fé: o ateísmo, o agnosticismo, a indiferença religiosa, a heresia, a apostasia, o cisma, etc. (cfr. Catecismo, 2089). Também é contrário ao primeiro mandamento, por voluntariamente em perigo a própria fé, seja pela leitura de livros contrários à fé ou à moral, sem um motivo proporcionado e sem a preparação suficiente, ou por omitir outros meios para a guardar. 

b) Contra a esperança: o desespero da própria salvação (cfr. Catecismo, 2091) e, pelo extremo oposto, a presunção de que a misericórdia divina perdoará os pecados sem conversão nem contrição ou sem necessidade do sacramento da Penitência (cfr. Catecismo, 2092). Também é contrário a esta virtude pôr a esperança de felicidade última em algo fora de Deus. 

c) Contra a caridade: qualquer pecado é contrário à caridade. Mas diretamente opõe-se a ela a rejeição de Deus e também a tibieza: não querer lhe amar com todo o coração. Contrário ao culto a Deus é o sacrilégio, a simonia, certas práticas de superstição, magia, etc., e o satanismo (cfr. Catecismo, 2111-2128). 

4. Amor aos demais por amor a Deus

O amor a Deus deve compreender o amor a quem Deus ama. «Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê.. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão» (1 Jo 4,19-21). Não se pode amar a Deus sem amar a todos os homens, criados por Ele a sua imagem e semelhança e chamados a ser filhos seus pela graça sobrenatural (cfr. Catecismo, 2069).

«Com os filhos de Deus temos que nos comportar como filhos de Deus»[13]: 

a) portar-se como filho de Deus, como outro Cristo. O amor aos outros tem como regra o amor de Cristo: «Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.» (Jo 13,34-35). O Espírito Santo foi enviado aos nossos corações para que possamos amar como filhos de Deus, com o amor de Cristo (cfr. Rm 5,5). «Dar a vida pelos outros. Só assim se vive a vida de Jesus Cristo e nos fazemos uma só coisa com Ele»[14]. 

b) ver nos outros filhos de Deus, - Cristo: «todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt 25,40). Querer para eles seu verdadeiro bem, o que Deus quer: que sejam santos e, portanto, felizes. A primeira manifestação de caridade é o apostolado. Também leva a preocupar de suas necessidades materiais. Compreender –fazer próprias– as dificuldades espirituais e materiais dos demais. Saber perdoar. Ter misericórdia (cfr. Mt 5,7). «A caridade é paciente, é amável, não é invejosa, (...) não busca o seu, não se irrita, não toma em conta o mau...» (1 Co 4-5). A correção fraterna (cfr. Mt18,15). 

5. O amor a si mesmo por amor a Deus 

O preceito da caridade menciona também o amor a si mesmo: «Amarás a teu próximo como a si mesmo» (Mt 22,39). Há um correto amor a si mesmo: o amor de si por amor a Deus. Leva a buscar para um mesmo o que Deus quer: a santidade e, portanto, a felicidade (com sacrifício nesta terra, com Cruz). Há também um desordenado amor a si mesmo, o egoísmo, que é um amor a si mesmo por si mesmo, não por amor a Deus. É pôr a própria vontade acima da de Deus e o próprio interesse acima do serviço aos demais. 

O correto amor a si mesmo não se pode dar sem lutar contra o egoísmo. Comporta abnegação, entrega de si a Deus e aos demais. «Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á» (Mt 16, 24-25). O homem «não pode encontrar sua própria plenitude se não é na entrega sincera de si mesmo aos demais»[15]. 

Javier López 


Bibliografía básica 

Catecismo da Igreja Católica, 2064-2132. 

Leituras recomendadas 

Bento XVI, Enc. Deus caritas est, 25-12-2005, 1-18. 

Bento XVI, Enc. Spe salvi, 30-11-2007. 

São Josemaria, Homilias Vida de fé, A esperança do cristão, Com a força do amor, em Amigos de Deus, 190-237. 

------------------- 
[1] Cfr. João Paulo II, Enc. Veritatis splendor, 6-8-1993, 80. 

[2] Idem, 15. 

[3] São Josemaria, Caminho, 780. 

[4] Idem, 417. 

[5] Idem, 815. Cfr. Idem, 933. 

[6] São Josemaria, É Cristo que passa, 87. 

[7] Cfr. São Josemaria, Caminho, 91. 

[8] São Josemaria, Forja, 263. 

[9] São Josemaria, Caminho, 81. 

[10] Idem, 541. 

[11] Idem, 527. Cfr. Mt 26,6-13. 

[12] São Josemaria, Forja, 26. 

[13] São Josemaria, É Cristo que passa, 36. 

[14] São Josemaria, Via Sacra, XIV Estação. Cfr. Bento XVI, Enc. Deus Caritas est, 25-12-2005, 12-15. 

[15] Conc. Vaticano II, Const. Gaudium et spes, 24.


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Assunção de Nossa Senhora ao céu


Ela, por um privilégio todo singular venceu o pecado.

A Sagrada Tradição da Igreja ensina que Nossa Senhora foi elevada ao céu de corpo e alma, após sua morte. No entanto, as particularidades da “morte” da Virgem Maria  não são conhecidas. Santo Epifânio, bispo de Salamina de Chipre, compôs, nos anos de 374-377, o livro sobre as heresias, no qual escreve:
“Ou a santa Virgem morreu e foi sepultada e seguiu-se depois sua Assunção na glória, ou sem fim verificou-se em plena e ilibada pureza, adornando a coroa de sua virgindade...” (MS, p. 267).





O Dogma da Assunção da Virgem Santíssima foi proclamado, solenemente, pelo Papa Pio XII no dia 1º de novembro de 1950 e sua festa é celebrada no dia 15 de agosto. Grande júbilo e alegria pairou sobre todo o mundo católico naquela data, especialmente para os filhos de Maria. Quando o Papa o decretou por meio da Constituição Apostólica“Munificientissimus Deus” foi uma verdadeira apoteose, tanto na Praça de São Pedro em Roma, como nas outras cidades do mundo católico. Nesse documento disse o Papa: “Cristo, com Sua morte, venceu o pecado e a morte e sobre esta e sobre aquele alcançará também vitória pelos merecimentos de Cristo quem for regenerado sobrenaturalmente pelo batismo. Mas por lei natural Deus não quer conceder aos justos o completo efeito dessa vitória sobre a morte, senão quando chegar o fim dos tempos. Por isso os corpos dos justos se dissolvem depois da morte, e somente no último dia tornarão a unir-se, cada um com sua própria alma gloriosa. Mas desta lei geral Deus quis excetuar a Bem-Aventurada Virgem Maria. Ela, por um privilégio todo singular venceu o pecado; por sua Imaculada Conceição, não estando por isso sujeita à lei natural de ficar na corrupção do sepulcro, não foi preciso que esperasse até o fim do mundo para obter a ressurreição do corpo”.
E, assim, na Praça de São Pedro, em Roma, diante do pórtico de São Pedro, circundado por 36 Cardeais, 555 Patriarcas, Arcebispos e Bispos e sacerdotes, e perante cerca de um milhão de fiéis, o Papa proclamava solenemente:
“Depois de haver mais uma vez elevado a Deus nossas súplicas e invocado as luzes do Espírito Santo, a glória de Deus Onipotente, que derramou sobre a Virgem Maria Sua especial benevolência, em honra de Seu Filho, Rei imortal dos séculos e vencedor do pecado e da morte, para maior glória de Sua augusta Mãe e para a alegria e exultação de toda a santa Igreja, e pela autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e Nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma de fé revelado por Deus que: a Imaculada Mãe de Deus, sempre Virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrena, foi elevada à glória celeste em corpo e alma” (MS, p. 282).
O Papa Paulo VI, na Exortação Apostólica “Marialis Cultus”, resume a importância desse dogma numa expressão cheia de densidade:
“A solenidade de 15 de agosto celebra a gloriosa Assunção de Maria ao céu: festa de seu destino de plenitude e de bem-aventurança, glorificação de sua alma imaculada e de seu corpo virginal, de sua perfeita configuração com Cristo ressuscitado” (MC, n. 6).
Assim, Maria participa da ressurreição e glorificação de Cristo. É preciso lembrar, aqui, que somente Jesus e Maria subiram ao céu, de corpo e alma. Os santos estão lá apenas com suas almas, pois os corpos estão na terra, aguardando a ressurreição do último dia. Maria, ao contrário, foi elevada ao céu também com seu corpo já ressuscitado. É uma grande glória dela.
A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em uma Instrução de 17-05-1979, deixou bem claro:
“A Igreja, ao expor a sorte do homem após a morte, exclui qualquer explicação que tire o sentido à Assunção de Nossa Senhora naquilo que ela tem de único, ou seja, o fato de ser a glorificação corporal da Virgem Santíssima uma antecipação da glorificação que está destinada a todos os outros eleitos” (n. 6).
Quais os motivos da Assunção de Nossa Senhora?
1 - Como Maria não esteve sujeita ao poder do pecado para poder ser a Mãe de Deus, também não podia ficar sob o império da morte; pois, como disse São Paulo, “o salário do pecado é a morte” (Rm 6,23). Assim, Maria não experimentou a corrupção da carne mas foi glorificada em sua alma e seu corpo.
2 - A carne de Jesus e a de Maria são a mesma carne. Portanto a carne de Maria devia ter a mesma glória que teve a de seu Filho.
São João de Damasco no ano 749 escreve:
“Era necessário que aquela que no parto havia conservado ilesa sua virgindade conservasse também sem corrupção alguma seu corpo depois da morte. Era preciso que aquela que havia trazido no seio o Criador feito menino habitasse nos tabernáculos divinos. Era necessário que aquela que tinha visto o Filho sobre a Cruz, recebendo no coração aquela espada das dores das quais fora imunes ao dá-Lo à luz, O contemplasse sentada à direita do Pai. Era necessário que a Mãe de Deus possuísse aquilo que pertence ao Filho e fosse honrada por todas as criaturas como Mãe de Deus”.
E assim também se exprime São Germano, patriarca de Constantinopla, falecido em 735, e outros santos (MS, pp. 272 e 273).
A festa do Trânsito de Maria, que honrava sua morte, passou gradualmente a comemorar sua Assunção corporal ao céu. No sacramentário enviado pelo Papa Adriano I ao Imperador Carlos Magno (768-814), que introduziu o Cristianismo em todo o vasto império franco, está escrito:
“Digna de honra é para nós, Senhor, a festividade deste dia em que a Beata Virgem Maria, a Santa Mãe de Deus, sofreu a morte temporal, mas não pôde ser retida pelos inexoráveis laços, porque ela deu à luz o seu Filho, nosso Senhor, que tomou sua carne” (MS, p. 273). No Sínodo de Mainz, no ano 813, Carlos Magno introduziu a festa da Assunção de Maria ao Céu, depois de haver obtido autorização de Roma.
Foi São Gregório de Tours, falecido em 596, o primeiro a proclamar a Assunção corpórea de Maria ao Céu. Um século mais tarde, Santo Ildefonso de Toledo afirmou: “Não devemos esquecer que muitos consideram que ela [Maria] foi neste dia levada corporalmente ao céu por Nosso Senhor Jesus Cristo” (MS, p. 274).
Muitos santos perguntavam se o melhor dos Filhos poderia recusar à melhor das Mães à participação em sua ressurreição e o glorioso domínio à direita do Pai? Para eles sua dignidade de Mãe de Deus exige a Assunção.
Para Santo Irineu, do século II, como a nova Eva, Maria participou da sorte do novo Adão, Jesus Cristo, ressuscitou depois da morte, e seu corpo não experimentou a corrupção (MS, p. 277).
Como Maria não teve na alma a mancha do pecado original, ficou isenta da dura sentença dada aos demais: “Es pó e em pó hás de tornar” (Gn 3,19). A nós que herdamos o pecado original, é preciso voltar ao pó da terra de onde saímos, para que na ressurreição do último dia, o Senhor nos refaça sem as sequelas do mal.
A rica Tradição da Igreja reconheceu desde os primeiros séculos a gloriosa Assunção de Nossa Senhora. Dela dão testemunho S. João Damasceno, São João Crisóstomo, S. Tomás de Aquino, S. Boaventura, S. Anselmo, São Bernardo e outros luminares e teólogos famosos. Além disso, a Sagrada Liturgia sempre confirmou a verdade desse dogma, tanto nos antigos missais como nos sacramentários, hinos e saudações à subida da Rainha ao céu. Além disso, nunca, em Igreja nenhuma da terra, se venerou uma relíquia do corpo de Maria Santíssima, mostrando com isto uma convicção certa e inabalável de que Ela está no céu.
Contudo, a razão mais forte da Assunção de Nossa Senhora está no fato de ela ser a Mãe do Senhor. Como disse o frei Francisco de Monte Alverne:
“Consentiria o meigo Jesus de Nazaré que sua morada puríssima, o céu esplêndido onde por nove meses repousaria, a estátua viva esculpida pelo próprio Criador, ficasse nessa terra de exílio? Porventura o Rei dos Exércitos esperaria o fim dos tempos para que a corte celeste prestasse homenagens reais à sua Mãe. Não, pois era mister que a humanidade reconhecesse quanto era considerada uma mãe tão extremosa” (nota 22 e Tm p. 314).
A glória da Assunção de Nossa Senhora ao céu é, para nós que ainda vivemos neste vale de lágrimas, a certeza de que o céu existe e é nosso destino.

Felipe Aquino
felipeaquino@cancaonova.com
Prof. Felipe Aquino @pfelipeaquino, é casado, 5 filhos, doutor em Física pela UNESP. É membro do Conselho Diretor da Fundação João Paulo II. Participa de aprofundamentos no país e no exterior, escreveu mais de 60 livros e apresenta dois programas semanais na TV Canção Nova: "Escola da Fé" e "Pergunte e Responderemos". Saiba mais em Blog do Professor Felipe  Site do autor: www.cleofas.com.br

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Bento XVI, com Santo Afonso: “Quem reza se salva, quem não reza se condena”




Caros irmãos e irmãs,

Hoje celebramos a memória litúrgica de Santo Afonso Maria de Ligório, bispo e doutor da Igreja, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentoristas, padroeiro dos estudiosos de teologia moral e dos confessores. Santo Afonso é um dos santos mais populares do século XVIII por seu estilo simples e direto e por sua doutrina sobre o sacramento da Penitência: em um período de grande rigor, fruto da influência do jansenismo, ele aconselhava aos confessores que ministrassem este Sacramento manifestando o alegre abraço de Deus Pai, que na sua infinita misericórdia não se cansa de receber o filho arrependido. A celebração de hoje nos dá a oportunidade de debruçarmos sobre os ensinamentos de Santo Afonso a respeito da oração, muito preciosos e cheios de inspiração espiritual. Volto ao ano de 1759, data de seu tratado “O grande meio da oração”, que ele considerava o mais eficaz de todos os seus escritos. Ele descreve a oração como “o meio necessário e seguro para se obter a salvação e todas as graças que necessitamos para alcançá-la." (Introdução) Nesta frase é sintetizado o modo alfonsiano de entender a oração.

Antes de tudo, dizendo que é um meio, nos faz uma recordação no intuito de alcançar: Deus criou por amor, para poder nos dar vida em abundância, mas esta meta, esta vida em plenitude, por causa do pecado, é, por assim dizer, distanciada - todos sabemos - e somente a graça de Deus pode torná-la acessível. Para explicar esta verdade básica e nos fazer entender como é realmente real para o homem os riscos de se perder, Santo Afonso criou uma máxima famosa, muito simples, que diz: "Quem reza se salva, quem não reza se condena."Comentando sobre esta frase lapidar, acrescentou: "Se salvar sem oração é dificílimo, senão impossível... mas rezando o 'salvar-se' é algo seguro e fácil” (II, Conclusão). Ele ainda diz: "Se não oramos, para nós não há desculpa, porque a graça de rezar é dada a todos... se não nos salvarmos, toda a culpa será nossa, por não termos rezado" (ibid.). Dizendo ainda que a oração é uma condição necessária, Santo Afonso queria dar a entender que em cada situação da vida não se pode fazer menos que rezar, especialmente nos momentos de provação e dificuldade. Sempre devemos bater à porta do Senhor com confiança, sabendo que em tudo Ele cuida de seus filhos, de nós. Por isso, somos convidados a não termos medo de recorrer a Ele e de apresentar com confiança os nossos pedidos, na certeza de alcançarmos o que necessitamos.

Caros amigos, esta é a questão central: o que é realmente necessário em minha vida? Respondo com Santo Afonso: "A saúde e todas as graças que por ela necessitamos" (ibid.), é claro, ele quer dizer não só a saúde do corpo, mas acima de tudo, da alma, que Jesus nos dá. Mais do que qualquer outra coisa, precisamos de sua presença libertadora que nos torna plenamente humanos, e por isso, enche de alegria o nosso existir. E só através da oração podemos acolhê-Lo, a Sua graça, que, iluminando-nos em cada situação, faz-nos discernir o verdadeiro bem e, fortalecendo-nos, torna eficaz também a nossa vontade, torna-a capaz de implementar o bem conhecido.Muitas vezes reconhecemos o bem, mas não somos capazes de fazê-lo. Com a oração, conseguimos realizá-lo.O discípulo do Senhor sabe que está sempre exposto à tentação e não deixa de pedir ajuda a Deus em oração, para vencê-la.

Santo Afonso recorda o exemplo de São Filipe Neri - muito interessante – no qual desde o primeiro momento em que ele acordava de manhã, dizia a Deus: "Senhor, ponha hoje as mãos sobre Filipe, porque senão, Filipe vai te trair”. (III, 3) Grande realista! Ele pede a Deus para manter Sua mão sobre ele. Nós também, conscientes de nossa fraqueza, devemos pedir a ajuda de Deus com humildade, confiando na riqueza da Sua misericórdia. Em outra mensagem, Santo Afonso diz: "Somos pobres de tudo, mas se questionamos não somos mais pobres. Se somos pobres, Deus é rico "(II, 4). E, seguindo Santo Agostinho, o convite é para que o cristão não tenha medo de procurar Deus, com a oração, aquele poder que não há igual e é necessário para se fazer o bem, na certeza de que o Senhor não nega sua ajuda àqueles que rezam com humildade (cf. III, 3). Caros amigos, Santo Afonso nos lembra que a relação com Deus é essencial em nossa vida. Sem o relacionamento com Deus falta a relação fundamental e a relação com Deus consiste em falar com Deus na oração pessoal diária e participação nos sacramentos, assim este relacionamento pode crescer em nós, pode crescer em nós a presença divina que conduz o nosso caminho, ilumina-o e o torna seguro e sereno, mesmo no meio de dificuldades e perigos. Obrigado. 

Fonte:http://noticias.cancaonova.com

domingo, 5 de agosto de 2012

O esplendor da verdade





Nosso amado Papa João Paulo II iniciou com essas palavras uma das suas principais encíclicas sobre o ensinamento moral da Igreja: O esplendor da verdade brilha em todas as obras do Criador, particularmente no homem criado à imagem e semelhança de Deus: a verdade ilumina a inteligência e modela a liberdade do homem, que, deste modo, é levado a conhecer e a amar o Senhor. Por isso, reza o salmista: «Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face».

Infelizmente vivemos hoje numa sociedade que ignora a verdade, que finge desconhecer a sua existência. Ouço muito falar da "minha" verdade, como se a qualificação por si só não não ofuscasse o conceito de verdade. Não existe meia verdade, minha verdade, existe somente a verdade. A verdade é única, uma coisa não pode ser ao mesmo tempo verdade para um e mentira para outro.

Não estou tratando aqui de juízos de valor, coisa que aprendi numa das minhas primeiras aulas de filosofia na universidade, que é algo bem diferente. Falo de verdadeiro ou falso, certo ou errado. A verdade é objetiva, e é sobre isso que vamos falar, com base no belíssimo documento Veritais Splendor, do qual recomendo a leitura a todos.

Chamados à salvação pela fé em Jesus Cristo, «luz verdadeira que a todo o homem ilumina» os homens tornam-se «luz no Senhor» e «filhos da luz» esantificam-se pela «obediência à verdade». Esta obediência nem sempre é fácil. Na sequência daquele misterioso pecado de origem, cometido por instigação de Satanás, que é «mentiroso e pai da mentira», o homem é continuamente tentado a desviar o seu olhar do Deus vivo e verdadeiro para o dirigir aos ídolos, trocando «a verdade de Deus pela mentira»; então também a sua capacidade para conhecer a verdade fica ofuscada, e enfraquecida a sua vontade para se submeter a ela. E assim, abandonando-se ao relativismo e ao ceticismo, ele vai à procura de uma ilusória liberdade fora da própria verdade.

Rejeita-se a doutrina tradicional sobre a lei natural, sobre a universalidade e a permanente validade dos seus preceitos; consideram-se simplesmente inaceitáveis alguns ensinamentos morais da Igreja; pensa-se que o próprio Magistério possa intervir em matéria moral, somente para «exortar as consciências» e «propor os valores», nos quais depois cada um inspirará, de forma autónoma, as decisões e as escolhas da vida. Exemplos disso são "católicos" que lutam para a descriminalização do aborto, pela união civil de homossexuais ("casamento" gay), pela ordenação de mulheres, pela liberação da Eucaristia para casais de segunda união e tantos outros pontos onde já há declaração definitiva, e por isso imutável, do Sagrado Magistério da Igreja.

As prescrições morais, emanadas por Deus na Antiga Aliança e levadas à sua perfeição na Nova e Eterna Aliança pela Pessoa mesma do Filho de Deus feito homem, devem ser fielmente conservadas e permanentemente atualizadas nas diferentes culturas, ao longo da história. A tarefa da sua interpretação foi confiada por Jesus unicamente aos Apóstolos e aos seus sucessores, com a especial assistência do Espírito da verdade: «Quem vos ouve é a Mim que ouve». Com a luz e a força deste Espírito, os Apóstolos cumpriram a missão de pregar o Evangelho e de indicar a «via» do Senhor, ensinando, antes de mais, a seguir e a imitar Cristo.

O Concílio Vaticano II afirmou que «o encargo de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida pela Tradição foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo». Assim a Igreja, na sua vida e ensinamento, apresenta-se como «coluna e sustentáculo da verdade» (1 Tim 3, 15), inclusive da verdade sobre o agir moral. De fato, «à Igreja compete anunciar sempre e em toda a parte os princípios morais, mesmo de ordem social, bem como emitir juízo acerca de quaisquer realidades humanas, na medida em que o exijam os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas».

A reflexão moral da Igreja, sempre realizada à luz de Cristo, desenvolveu-se também na forma específica de ciência teológica, chamada «teologia moral», uma ciência que acolhe e interroga a Revelação divina e, ao mesmo tempo, responde às exigências da razão humana. A teologia moral é uma reflexão que se refere à moralidade, ou seja, ao bem e ao mal dos actos humanos e da pessoa que os realiza, e neste sentido está aberta a todos os homens; mas é também teologia, enquanto reconhece o princípio e o fim do agir moral n'Aquele que «só é bom» e que, doando-Se ao homem em Cristo, lhe oferece a bem-aventurança da vida divina.

Abrindo um parênteses, convido a todos os leitores a se juntarem a nós no grupo de estudos, que passará todo o próximo ano, e até mais se necessário for, estudando Teologia Moral. Será um desafio do qual estamos sedentos.

Em algumas correntes do pensamento moderno, chegou-se a exaltar a liberdade até ao ponto de se tornar um absoluto, que seria a fonte dos valores. Nesta direção, movem-se as doutrinas que perderam o sentido da transcendência ou as que são explicitamente atéias. Atribuiram-se à consciência individual as prerrogativas de instância suprema do juízo moral, que decide categórica e infalivelmente o bem e o mal. À afirmação do dever de seguir a própria consciência foi indevidamente acrescentada aquela outra de que o juízo moral é verdadeiro pelo próprio fato de provir da consciência. Deste modo, porém, a imprescindível exigência de verdade desapareceu em prol de um critério de sinceridade, de autenticidade, de «acordo consigo próprio», a ponto de se ter chegado a uma concepção radicalmente subjetivista do juízo moral.

O Santo Padre Bento XVI chama essas correntes e a força que as mesmas tem junto à sociedade de "ditadura do relativismo".

Perante os nossos contemporâneos que "apreciam grandemente" a liberdade e que a "procuram com ardor", mas que muitas vezes a fomentam dum modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade, o CV II apresenta a verdadeira liberdade: «A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis "deixar o homem entregue à sua própria decisão", para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele». Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação moral grave para cada um de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida. Neste sentido, afirmava com decisão o Cardeal J. H. Newman, eminente defensor dos direitos da consciência: «A consciência tem direitos, porque tem deveres».

Lemos no livro do Genesis: «O Senhor deu esta ordem ao homem: "Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás"» Com esta imagem, a Revelação ensina que não pertence ao homem o poder de decidir o bem e o mal, mas somente a Deus.

O homem goza de uma liberdade bastante ampla, já que pode comer de todas as árvores do jardim. Mas esta liberdade não é ilimitada: deve deter-se diante da árvore da ciência do bem e do mal, chamada que é a aceitar a lei moral que Deus dá ao homem.

A consciência, como juízo de um ato, não está isenta da possibilidade de erro. Por vezes o homem se descuida de procurar a verdade e o bem, e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado. Com estas breves palavras, o CV II oferece uma síntese da doutrina que a Igreja, ao longo dos séculos, elaborou sobre a consciência errônea. Sem dúvida, o homem, para ter uma boa consciência, deve procurar a verdade e julgar segundo esta mesma verdade. Como diz o apóstolo Paulo, a consciência deve ser iluminada pelo Espírito Santo, deve ser pura, não deve com astúcia adulterar a palavra de Deus, mas manifestar claramente a verdade. Por outro lado, o mesmo Apóstolo adverte os cristãos, dizendo: «Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (Rm 12, 2).

A consciência, como juízo último concreto, compromete a sua dignidade quando é culpavelmente errônea, ou seja, quando o homem não se preocupa de buscar a verdade e o bem, e quando a consciência se torna quase cega em consequência do hábito ao pecado. Jesus alude aos perigos da deformação da consciência, quando admoesta: «A lâmpada do corpo é o olho; se o teu olho estiver são, todo o teu corpo andará iluminado. Se, porém, o teu olho for mau, todo o teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!» (Mt 6, 22-23).

Uma grande ajuda para a formação da consciência têm-na os cristãos, na Igreja e no seu Magistério, como afirma o CV II: «Os fiéis, por sua vez, para formarem a sua própria consciência, devem atender diligentemente à doutrina sagrada e certa da Igreja. Pois, por vontade de Cristo, a Igreja Católica é mestra da verdade, e tem por encargo dar a conhecer e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo, e ao mesmo tempo declara e confirma, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que dimanam da natureza humana».

Portanto, a autoridade da Igreja, que se pronuncia sobre as questões morais, não lesa de modo algum a liberdade de consciência dos cristãos: não apenas porque a liberdade da consciência nunca é liberdade «da» verdade, mas sempre e só «na» verdade; mas também porque o Magistério não apresenta à consciência cristã verdades que lhe são estranhas, antes manifesta as verdades que deveria já possuir, desenvolvendo-as a partir do ato originário da fé. 

A Igreja põe-se sempre e só ao serviço da consciência, ajudando-a a não se deixar levar cá e lá por qualquer sopro de doutrina, ao sabor da maldade dos homens, a não se desviar da verdade sobre o bem do homem, mas, especialmente nas questões mais difíceis, a alcançar com segurança a verdade e a permanecer nela.

Amém!