domingo, 27 de outubro de 2013

A Inquisição



Quando os pecados da Igreja Católica são contados (como tantas vezes são) os números da Inquisição ganham destaque. Pessoas sem real interesse na História da Europa sabem muito bem que a Inquisição era liderada por clérigos fanáticos e brutais que torturaram, mutilaram e mataram todos aqueles que ousaram questionar a autoridade da Igreja. A palavra “Inquisição” é parte do nosso vocabulário moderno, descrevendo tanto uma instituição quanto um período de tempo. Por exemplo, ter uma de suas audiências chamada de “Inquisição” não é considerado elogio para a maioria dos senadores. 

Mas, nos últimos anos, a Inquisição tem sido objeto de uma melhor investigação. Em preparação para o Jubileu, em 2000, o Papa João Paulo II queria saber exatamente o que aconteceu durante o período de existência da Inquisição (como instituição). Em 1998, o Vaticano abriu os arquivos do Santo Ofício (o sucessor moderno para a Inquisição) para uma equipe de 30 acadêmicos de todo o mundo. Agora, finalmente, os estudiosos fizeram seu relatório, um tomo de 800 páginas (…). Sua conclusão mais surpreendente é que a Inquisição não foi assim tão ruim afinal. Tortura era raro, e somente um por cento das pessoas que se apresentaram perante a Inquisição Espanhola foram realmente executadas. Como uma manchete dizia: “Vaticano põe abaixo a Inquisição.”

Os suspiros de espanto e escárnios cínicos que têm recebido este relatório são apenas mais uma prova da presunção lamentável que existe entre historiadores profissionais e o público em geral. A verdade é que, embora este relatório faça uso de materiais não disponíveis anteriormente, ele apenas repete o que muitos estudiosos já concluíram ao estudar outros arquivos disponíveis na Europa. Entre os melhores livros recentes sobre o assunto estão “Inquisição” de Edward Peters (1988) e Henry Kamen e “A Inquisição Espanhola” (1997), mas existem outros. Simplificando: os historiadores já sabiam que a visão popular da Inquisição é um mito. Então, qual é a verdade?

Para entender a Inquisição, temos que lembrar que as pessoas da Idade Média eram, por assim dizer, medievais. Não devemos esperar que as pessoas do passado pudessem ver o mundo e seu lugar nele da forma como fazemos hoje (tente viver nos tempos da Peste Negra e veja como ela muda sua atitude). Para as pessoas que viveram durante esses tempos, a religião não foi algo construído apenas pela Igreja. Foi ciência, filosofia, política, identidade e esperança de salvação. Não foi uma preferência pessoal, mas uma verdade permanente e universal. Heresias, então, atingiam o coração do que era a verdade. Ele condenou o herege, que colocava em perigo o seu próximo, e rasgava o tecido social.

A Inquisição não nasceu da vontade de esmagar a diversidade ou oprimir o povo, era mais uma tentativa de acabar com as execuções injustas. Sim, você leu corretamente. Heresia era um crime contra o Estado. O direito romano no Código de Justiniano tornou-a uma ofensa capital. Governantes, cuja autoridade se acreditava vir de Deus, não tinham paciência para os hereges. Nem as pessoas comuns, que os viam como foras-da-lei perigosos que trariam a ira divina. Quando alguém era acusado de heresia no início da Idade Média, eram trazidos ao senhor local para julgamento, como se tivessem roubado um porco ou danificado sebes (na Inglaterra medieval isso era realmente um crime grave). No entanto, em contraste com outros crimes, não era tão fácil de discernir se o acusado era realmente um herege. Para começar, seria necessária alguma formação teológica básica – algo que a maioria dos senhores medievais não possuía. O resultado é que milhares de pessoas ​​em toda a Europa foram executadas por autoridades seculares, sem julgamentos justos ou uma avaliação competente da validade da acusação.

A resposta da Igreja Católica para este problema foi a Inquisição, instituída primeiramente pelo papa Lúcio III em 1184. Ele nasceu de uma necessidade de fornecer julgamentos justos para os hereges acusados ​​usando as leis de provas e presididos por juízes experientes. Do ponto de vista das autoridades seculares, os hereges eram traidores de Deus, do rei e da morte, portanto, mereciam perder a vida. Do ponto de vista da Igreja, no entanto, os hereges eram ovelhas perdidas que se afastaram do rebanho. Como pastores, o papa e os bispos tinham o dever de levá-los de volta ao redil, assim como o Bom Pastor lhes havia ordenado. Destarte, enquanto líderes medievais seculares  estavam tentando proteger seus reinos, a Igreja estava tentando salvar almas. A Inquisição providenciou um meio para os hereges escaparem  da morte e retornarem para a comunidade.

Como este novo relatório confirma, a maioria das pessoas acusadas de heresia pela Inquisição foram absolvidas ou suas penas suspensas. Os culpados de grave erro foram autorizados a confessar seus pecados, fazer penitência, e ser restaurado para o Corpo de Cristo. O pressuposto subjacente da Inquisição era que, como ovelhas perdidas, os hereges tinham simplesmente se desviado. Se, no entanto, um inquisidor determinou que uma ovelha em particular tinha propositadamente deixado o rebanho, não havia nada mais que poderia ser feito. Hereges impenitentes ou obstinados foram excomungados e entregue às autoridades seculares. Apesar do mito popular, a Inquisição não queimava os hereges. Foram as autoridades seculares que determinaram que a heresia era uma ofensa capital, não a Igreja. O simples fato é que a Inquisição medieval salvou milhares de incontáveis ​​inocentes (e até mesmo não tão inocentes) pessoas que de outra forma teria sido torradas por senhores seculares.

Durante o século 13 Inquisição tornou-se muito mais formalizada em seus métodos e práticas. Dominicanos altamente treinados, responsáveis perante o Papa, assumiram a instituição, criando os tribunais que representavam as melhores práticas jurídicas na Europa. Como a autoridade real cresceu durante o século 14 e além, o controle sobre a Inquisição saiu das mãos do papa e foi parar nas dos reis. Em vez de uma Inquisição, havia agora muitas. Apesar das perspectivas de abuso, os monarcas da Espanha e da França, em geral, fizeram o possível para ter certeza de que suas inquisições permanecessem eficientes e misericordiosas. Durante o século 16, quando a caça às bruxas varreu a Europa, nas regiões onde as inquisições eram melhor desenvolvidas a histeria foi contida. Em Espanha e Itália, inquisidores treinados investigaram as acusações de “Sabbath das feiticeiras” e torrefação de bebês, e concluiram que aquelas eram infundadas. Em outros lugares, especialmente na Alemanha, os tribunais seculares ou religiosos queimaram bruxas aos milhares. Nota: A Alemanha do século XVI era já quase totalmente protestante.
Comparado a outros tribunais seculares medievais, a Inquisição foi positivamente iluminada. Por que, então, as pessoas em geral, e a imprensa em particular, ficam tão surpresos ao descobrir que a Inquisição não transformou seres humanos em churrasco aos milhões? Primeiro de tudo, quando a maioria das pessoas pensa da Inquisição hoje o que eles realmente estão pensando é a Inquisição Espanhola. Não, nem mesmo isso é correto. Eles estão pensando no mito da Inquisição Espanhola. Por incrível que pareça, antes de 1530 a Inquisição Espanhola foi amplamente aclamada como o melhor tribunal de recursos, a corte mais humana na Europa. Na verdade, existem registros de presos na Espanha por blasfemar propositalmente, solicitando transferência para as prisões da Inquisição espanhola. Depois de 1530, no entanto, a Inquisição Espanhola começou a voltar sua atenção para a nova heresia do luteranismo. Foi a Reforma Protestante e as rivalidades que gerou que dariam origem ao mito.

Em meados do século 16, a Espanha foi o país mais rico e mais poderoso na Europa. Áreas protestantes da Europa, incluindo os Países Baixos, o norte da Alemanha e a Inglaterra, podem não ter sido tão poderosas militarmente, mas eles tinham uma arma nova muito potente: a imprensa. Embora os protestantes tenham perdido para os espanhóis no campo de batalha, estes perderiam a guerra de propaganda. Foram os anos em que a famosa “lenda negra” da Espanha foi forjada. Inúmeros livros e panfletos forma despejados das prensas do norte acusando o império espanhol de depravação inumana e horríveis atrocidades no Novo Mundo. A opulenta Espanha foi classificada como um lugar de trevas, de ignorância e do mal.

A propaganda protestante, que teve como alvo a Inquisição Espanhola, inspirou-se livremente a partir da “Legenda Negra”. Mas tinha outras fontes também. Desde o início da Reforma, os protestantes tinham dificuldade em explicar a diferença de 15 séculos entre a instituição de Cristo, de Sua Igreja e da fundação das igrejas protestantes. Católicos naturalmente apontavam este problema, acusando os protestantes de ter criado uma nova igreja separada da de Cristo. Protestantes responderam que sua igreja foi o criado por Cristo, mas que tinham sido forçados a viver nos subterrâneos pela Igreja Católica. Assim como o Império Romano perseguia os cristãos, sua sucessora, a Igreja Católica Romana, continuava a persegui-los durante a Idade Média. Inconvenientemente, não havia protestantes na Idade Média, mas os autores protestantes os encontram, sob o disfarce de hereges. Sob essa ótica, a Inquisição medieval não era nada mais do que uma tentativa de esmagar a igreja, escondendo a verdade. A Inquisição Espanhola, ativa e extremamente eficiente em manter os protestantes fora de Espanha, foi para escritores protestantes apenas a versão mais recente desta perseguição. Misture isso com a “Legenda Negra” e você tem tudo que precisa para produzir calúnias e mais calúnias sobre a terrível e cruel Inquisição Espanhola. E assim o fizeram.

Com o tempo, o império da Espanha iria desaparecer. A riqueza e poder deslocaram-se para o norte, em particular para a França e Inglaterra. No final do século 17, novas ideias de tolerância religiosa foram borbulhando em todos os cafés e salões da Europa. Inquisições, tanto católicas quanto protestantes, secaram. Os espanhóis teimosamente mantiveram a deles, e por isso foram ridicularizados. Filósofos franceses como Voltaire, viam na Espanha um modelo da Idade Média: fraco, bárbaro, supersticioso. A Inquisição Espanhola já fora estabelecida como uma ferramenta sanguinária de perseguição religiosa e ridicularizada por pensadores iluministas como arma brutal de intolerância e ignorância. Uma nova e fictícia Inquisição tinha sido construída, projetada pelos inimigos de Espanha e da Igreja Católica.
Agora um pouco mais da Inquisição real é nos dado a conhecer. Mas a questão permanece: será que alguém tomou nota?

Nota do blog: Para uma maior ampliação sobre o assunto disponibilizamos abaixo um vídeo com o nome: A inquisição - História não contada.  De autoria do Apostolado Santa Igreja. 


  
Tradução: Paulo Ricardo

Fonte: http://www.ocampones.com 

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