Tenho um amigo que costuma dizer: “pelo dedo se conhece o
gigante”. Certamente, essa fala não é dele, mas foi da sua boca que eu a ouvi
pela primeira vez. Quero tomar de empréstimo esse ditado para me referir ao
começo das Confissões de Santo Agostinho. O bispo de Hipona dá início
à sua autobiografia – talvez a primeira da história e criando um novo gênero
literário – falando da inquietude do seu coração. Instruído pela sua própria
experiência e dotado de um fino senso de observação, Aurélio Agostinho assevera
que o coração humano vive inquieto enquanto não encontra o objeto desejado.
Viktor Emil Frankl, o renomado psicoterapeuta austríaco, diria que o ser humano
não se realiza enquanto não encontra e desenvolve o seu sentido específico.
Em um único parágrafo, Santo Agostinho resume toda a
história da humanidade e toda a história das nossas vidas. Todo o drama do
gênero humano, do princípio ao fim, do primeiro ao último homem, todo o drama
da minha vida, da sua vida, do começo ao ocaso, está contido no parágrafo
inaugural das Confissões. Que absurda concisão e penetração de espírito!
É incrível perceber que ainda hoje – principalmente hoje! –
muitos homens procuram e não encontram. Não sabendo o que procuram,
contentam-se com o que encontram. Não se conhecem e conformam-se em viver,
digo, em arrastar-se pela vida, sem uma direção consistente, sem um rumo que
lhes preencha o vazio. Tomo a palavra “homens” no sentido de homens e mulheres.
Muitos de nós somos desonestos conosco mesmos. Muitos contentam-se com verdades
provisórias, em adiar indefinidamente a solução do problema da sua existência.
Conheço pessoas que têm medo de enfrentar-se. Que não
suportam a própria companhia. São incapazes de ficar sozinhas com a televisão
desligada. Esses indivíduos precisam do barulho como de uma droga. Ligam a
televisão ou o rádio desde a hora em que acordam, mesmo sem prestar a atenção
neles. Só os desligam quando deitam. Não têm tempo de estar a sós consigo
mesmos. O silêncio os atormenta, perturba-os, deixa-os nus. É um silêncio
absolutamente vazio, acabrunhante, terrível…
Por que será que tantos se afundam no álcool, nas drogas, no
poder, na fama, no sexo ou no culto do corpo? Simplesmente porque são fracos?
Creio que não. Não é porque são fracos. É porque desistiram. Porque o seu
coração suicidou, deixou de buscar o objeto desejado. Inquieto por natureza, o
coração humano – obviamente, não me refiro àquele amontoado de carne de que é
constituído o órgão – procura o “diacho” de alguma coisa que não encontra.
Enquanto não é encontrado o amor ou a verdade definitivos, o sentido a
realizar, o coração humano abraça amores provisórios – muitas vezes
destrutivos! –, anestésicos, e verdades paliativas. Surge, muitas vezes, a
tentação do desânimo e entra em campo o mecanismo de compensação das
frustrações. Em alguns casos, ocorre o desespero. Pode parecer que o verdadeiro
amor não vem, que o que pode dar-nos paz, sossego e repouso não existe. A
espera é longa…
Calma, leitor! É preciso enfrentar o problema, o drama da
nossa existência, e não fugir dele, contentando-nos com uma aspirina. Abraçar
uma verdade provisória, casar-se com quem não se ama suficientemente e não nos
realiza, é renunciar à felicidade completa.
É mais fácil não ter de pensar muito. Pensar dá trabalho. Às
vezes, dói. Fugir dos problemas é mais confortável do que enfrentá-los. Mas a
fuga não traz paz. A paz é fruto da verdade. Alguns têm uma idéia tão
distorcida de si mesmos que para eles equivalem-se o ser e o não ser. Às vezes
as pessoas sabem que existe uma verdade mais profunda sobre si mesmas e sobre
seus dramas pessoais, mas a tentação de entregar os pontos, de se deixar levar
pela corrente, pela ganância midiática e pela opinião dos covardes é muito mais
cômoda.
Por que o nosso mundo é agitado e barulhento? Porque as
pessoas que compõem a humanidade não encontraram o objeto desejado. Permanecem
em uma busca sôfrega, trôpega, irrequieta e angustiante. A inquietação e a
intranquilidade são sintomas de necessidades insatisfeitas. O primeiro passo é
não tentar se enganar. É a honestidade para com a nossa consciência, para com
os nossos anseios e talentos. É indispensável que não se troquem objetivos mais
altos por finalidades mesquinhas.
Não nos contentemos, pois, com a inquietude. Não renunciemos
à busca. O objeto dos nossos amores está à nossa espera. Santo Agostinho dá-nos
uma boa pista, ele que percorreu esse caminho. A esposa dos nossos sonhos
existe. Não nos comprometamos com os amores da estação.
Fonte: http://revistavilanova.com
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